DESTRO

     Não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita.* Não ousaria parodiar a frase do Mestre. Citá-lo é o que me cumpre, atento às minhas limitações. Uma delas, não congênita, mas comum à maioria da espécie humana: a inabilidade com a mão esquerda, segura que está da direita. É esta que obedece com precisão aos meus comandos. Assim bastando-se, a mão direita, gêmea da esquerda, despreza esta, considerando-a incapaz para ações mais importantes. Claro, toda direita é presunçosa por hábito ou convenção, embora ciente de que não tem autonomia sobre a esquerda. Ambas só agem impulsionadas, e pelo mesmo comando. Se esse comando usa quase sempre a mão direita, é ela que age. Se pouco usa a esquerda, ela se mostra canhestra; se ignorada, atrofia-se.

     Há quatro dias uma das minhas limitações me põe à prova. A porta do carro machucou-me a mão direita, quase fraturando dois dedos. Uma dor quase insuportável. Sem poder articulá-los, senti minha mão direita quase inútil. O meu “comando” cerebral indicou-me a esquerda. Ela obedece, é claro, nos limites da imperícia. As mãos não falam, sabe-se; mas seus gestos respondem a pensamentos. E alguma dose de culpa me vem nesses instantes em que certas limitações se traduzem em inabilidades, por simples falta de exercício imaginativo e bom uso dos comandos. Habitua-se a ser destro e tudo parte do lado direito. Dizem os especialistas que esses comandos é que determinam todo o nosso desempenho físico. Quem exercita ambos os lados, tem esquerda e direita funcionando harmoniosa e eficazmente. Eu estou entre aqueles “destros” que, atribuindo à mão direita ações mais importantes, experimentam carências manifestadas pela imperícia da esquerda. A mão esquerda é, para a maioria, mera auxiliar da direita.

     Que coisa mais desigual para com as mãos e o mais de que igualmente dispõe, em dobro, o corpo humano: olhos, ouvidos, pulmões, rins. Se um deles faltar, pronto estará o outro para o desempenho das funções a que se destina.

     A mão esquerda, para os destros, só perde a posição de coadjuvante quando algum impedimento eventual ou definitivo a coloca como única opção. Vivo atualmente esta experiência. Escrever, vestir-se, desabotoar a camisa, ajeitar o cadarço do tênis, escovar os dentes e demais habilidades corriqueiras torna-se um penoso aprendizado para quem, por ser destro, negligenciou em habilidades com uma das mãos. O pianista é um belo exemplo a provar o contrário. O teclado do computador, também. Eu sempre digitei com todos os dedos, o que também reforça a tese de que a habilidade com ambas as mãos é uma questão de treino. Mas, na condição de destro, não exercitei todos os meus comandos para tudo. Em plena atividade, minha mão esquerda se aperfeiçoa e, com certeza, neste sentido, a  minha mão direita sabe o que ela faz.


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(*Mateus 6, 3)




LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 10/12/2011
Reeditado em 10/12/2011
Código do texto: T3382045
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