A Despedida

Há algum tempo eu percebia que o seu costumeiro silêncio - próprio de uma personalidade senhora-de-si, daquelas que simplesmente prescindem de palavras -, tornara-se especial.

Havia algo mais pungente, qualquer coisa próxima de uma sensação aguda, porém aveludada, que me alcançava por dentro, intimamente. Essas coisas que a gente simplesmente sente.

Os espaços entre os raros momentos em que eu podia vê-lo caminhando pelas calçadas do bairro foram se dilatando a tal ponto que eu já mal conseguia prestigiar aqueles passos desengonçados, típicos dos de uma criatura saída de um livro de fábulas a caminho de canto algum!

Seu olhar tornara-se intrigante, carregado da mesma generosidade que sempre lhe fora peculiar, mas agora mais compreensivo e tocado daquele tipo de amor devotado aos imperfeitos – àqueles que protagonizam suas vilanices pelas esquinas sombrias do tempo. Olhos tradutores da percepção de que tudo cumpre seu devido papel imprescindível no tabuleiro da vida, olhos sabedores de que o homem que julga o homem arrisca-se a condenar a própria alma.

Ontem, ao passar, um pequeno sorriso tremeu em seu rosto, e me foi, propositadamente, ofertado Soube. Senti meu coração ungido como por um bálsamo de afeto ao ouvir o mais inesperado dos sussurros: - "Adieux ma petite!". Ah, deuses! Por que me proíbem de correr e enlaçar o meu mais ilustre e desconhecido predileto? Só pude permitir que uma lágrima escapasse do lado mais abandonado do meu coração, entendendo que o tempo de estar num mundo ainda mais desabitado de seres cativantes era chegado iminente.

Hoje, notas fixadas nos armazéns e bares das esquinas me informavam dele detalhes irrelevantes, desnecessários: nome, idade... convocando pessoas para cerimônia de orações e louvores – essas coisas banais em despedidas ditas honrosas aos mortos – como se por elas os desencarnados as suplicassem fervorosamente... Não! A minha criatura? O senhor daquela alma suave? Não! Claro que não! Ele pertence agora a todo lugar, voa como um passarinho à la Quintana, alcança pois as tardes que se escondem nos limites de horizontes desconhecidos...

E de tudo restou a gente deixada aqui, buscando pra sempre alguma coisa pra preencher a lacuna da saudade.

(barbarella braga)

Barbarella Braga
Enviado por Barbarella Braga em 10/12/2011
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