Mundos distantes
Um sonho. Uma recordação. Agora, um entendimento. Alguns dias atrás, compreendi o quanto nossos mundos eram distantes e, continuam sendo. Finalmente, eu entendi porque existiram tantos enganos e desencontros. A sensação é como acordar de um sonho. Algo que eu criei para me proteger. A velha fantasia de criança. A eterna ilusão de uma jovem adolescente e o seu príncipe encantado. Era assim que eu via você. Você era o meu príncipe encantado. O herói que iria me salvar de mim mesma. O rapaz educado, de sorriso encantador e olhar misterioso. Você era tudo isso, ou apenas isso. Não importa. Já era o bastante. Mais do que suficiente. Meus dias só eram felizes, quando por acaso, de repente, nós nos encontrávamos. Todos diziam que eram bobagens de adolescente, e eu rebatia, gritava que não. Eu acreditava no amor. E ninguém poderia tirar de mim aquele sentimento, aquela sensação única. Os anos passaram, voaram e, junto com eles foram minhas esperanças. Restaram apenas as ilusões. A ilusão de que um dia nos encontraríamos e, de que eu teria coragem de confessar o que eu sinto, sentia e sentirei, talvez, para sempre. A ilusão de que você, mesmo com todos estes anos tendo se passado, ainda lembraria de mim. E, como em um conto de fadas: O meu príncipe encantado diria que esteve sempre esperando por este momento. A hora do reencontro. O encontro de duas almas gêmeas. O final feliz que ambos sonhavam, mas que a vida encarregara-se de retardar. Seria lindo, se não fosse apenas mais um sonho. O desejo inconsciente de uma mulher adulta que recusasse a crescer. O desespero de uma adolescente que, no passado, recusara-se a enxergar sua verdadeira condição social. Fechara os olhos para o grande abismo existente entre o seu mundo e o mundo do seu príncipe. Finais felizes são para personagens de uma história. É preciso que exista uma história. Início. Envolvimento. Interação entre os personagens. Mas, neste caso, existe apenas uma narradora. Alguém que escreve sobre algo que não viveu. Fantasias. Tristes fantasias. Mentiras inventadas para si mesma. Mentiras contadas aos outros. Os expectadores. Os ouvintes. Os leitores. Todos acreditam em uma linda história de amor. Há uma tendência natural no ser humano em simpatizar com estes dramas românticos. Uma necessidade de compartilhar destes segredos. A tendência de torcer pelos amores platônicos, impossíveis. A menina pobre e o rapaz rico. O plebeu e a bela princesa. A dama e o vagabundo. Enquanto escrevo vêm à minha memória diversos contos como estes, citados anteriormente. Então, eu me pergunto: Será que de tanto ler, de tanto assistir na televisão estas histórias surreais, o que fiz foi fabricar algo semelhante? Isto seria possível? Sim? Não? O que você me diz? Você que lê o que escrevo agora? Alguma vez já se perguntou sobre isso? Sobre a possibilidade de no nosso inconsciente estarem todas estas histórias. E a nossa vida? Será que ela é nossa? Ou será que é apenas a repetição de um conto? Personagens ou narradores, o que somos? Autores ou leitores do nosso destino? Vivemos verdadeiramente ou assistimos a nossa vida passar? Questiono a vocês, porque assim, interrogo a mim mesma. Trata-se de uma inquisição. O esquadrinhamento da minha alma. O olhar para algo que ficou durante muito tempo, quieto, intocado. Mas, que hoje, sem pressa, preciso indagar, conhecer, revelar a quem quiser. Tortura? Não. Alívio? Sim. Sensação de perda? Talvez. É difícil desligar-se de uma coisa que te acompanha por muitos anos, por quase toda a sua vida. E o que faço agora? Depois destas constatações, o que posso fazer? O que vocês sugerem? Andar para a frente, sem olhar para trás? E se andar para frente depois de ter olhado para trás, finalmente? Existirá alguma diferença? Parece-me que sim. À primeira vista, sim. Nossos mundos continuam distantes. Eu sou a menina triste e pobre, enquanto você é o rapaz rico e educado, de sorriso encantador. Correção. Eu sou uma escritora, continuo pobre, mas depois de hoje, e de tudo que escrevi, estou feliz. Por quanto tempo? Não sei. Alguém sabe, o quanto dura a felicidade?