Correspondências

Faz tempo que a vovó Helena virou estrela, foi morar no céu. Eu, quando criança, adorava fitá-la cozinhando chuchu sem sal e sem gosto para o vovô.

Lembro que enquanto subia o vapor das panelas, a vovó também enchia os ares. Ela cantarolava para si. A música era sempre a mesma.

Eis dois versos: “quando o carteiro chegou e o meu nome gritou com uma carta na mão / Ante surpresa tão rude não sei como pude chegar ao portão”.

E por ter avivada tão intensamente esta cena na memória, precisei escrever sobre cartas.

Na mesma época de menino, a vizinha lá de casa de tempos em tempos lançava envelopes ao vento. Um dia, perguntei o porquê. Ela explicou que esse era o jeito de se comunicar com a mãe, já falecida. Segundo ela, os dias de ventania eram “carteiros do além”. Para mim, as cartas nunca chegaram a endereço tão incerto, porém, a fé da moça não devia deixá-la sem respostas.

Um pouco mais velho, já na escola, era comum no Dia dos Namorados os estudantes trocarem cartas apaixonadas. Eu, claro, nunca recebi nenhuma. Exceto uma vez. No mesmo dia 12 de junho foram entregues a mim três correspondências em formato de coração. Eram de três meninas da sala ao lado. Com o ego inflado diante daquela novidade, não pude prever que o encanto duraria pouco.

Dias depois, descobri que as tais alunas estavam precisando de nota extra em Educação Artística e inventaram de mandar o trabalho para o cara menos perigoso do colégio (leia-se nota zero na matéria conquista). O trauma, que à época foi grande, logo estava superado. A vida prega tantas outras peças piores que não demorou muito para eu rir do mal entendido.

Atualmente, cresce o acesso a e-mails, scraps, mensagens torpedos e outras tantas maneiras de se comunicar a distância. Na essência disso tudo, pondero, estão as cartas físicas de outrora.

Mudam-se as formas de se corresponder, mas não a necessidade de estar sempre perto de quem se ama. Toda vez que alguém querido estiver longe, lá onde os abraços e os beijos não alcançam, podemos escrever e endereçar. Palavras, em papel ou não, sempre marcam.