Crônica do fim de um casal

A água estava fervendo há quase um quarto de hora. Mas nenhuma de nós estava disposta a se mover, por maior que fosse a vontade de um gole quente de café. Nesses 15 minutos, fiquei só ouvindo o borbulhar da água. Tentando criar uma metáfora que relacionasse tudo que já haviamos vivido àquela situação.

Eu levantei meus olhos do jornal para calcular mentalmente qual de nós estava mais perto. Era eu.

Dei uma bufada como quem diz "estou cansada disso aqui" e me levantei vagarosamente. Peguei o coador, o pó e o açucar no armário e fiz o café. Você olhou para mim com uma cara quase indescritível, mas vou tentar: " Já que está levantada, pegue uma xícara pra mim. Mas se não quiser, foda-se".

Eu nunca fui do tipo que discute, emburra, faz birra. Poderia ficar dias, até semanas, convivendo com uma pessoa em uma situação desagradável sem, ao menos, conversar a respeito. Em parte covarde, em parte passional, peguei o café e dei na sua mão. Não nos olhamos nos olhos.

Voltei a sentar na minha cadeira. A chuva já havia parado, assim como meu desespero em relação a nós.

O que faríamos? Morar juntas não era mais cabível. Você estava dormindo no sofá fazia quase um mês. Com aquelas desculpas de ''você está com sinusite, vai roncar!" ou "eu preciso acordar cedo e não quero te incomodar''. Um casal que enfrenta roncos e poucas horas de sono unido, permanece unido. Devia ter escrito um livro com esse título.

Alguma coisa trincou. Nós duas olhamos para a cozinha, mas eu sabia que havia sido a minha integridade. Algumas atitudes são melhores quando planejadas, outras tem de ser súbitas ou não achamos coragem.

Num segundo, me levantei e fiz minha mala. Minhas lágrimas não pararam por um instante, mas minha expressão nunca tinha sido mais serena.. Agora me pergunto se a serenidade era sincera. Não sei. Devia ser.

Fugir de você era confrontar-me com a minha covardia. Eu tinha que escolher entre a paz de te ter longe e a culpa por ter desistido nas minhas costas ou sofrer a tortura de te ter dormindo no cômodo ao lado, mas acreditanto que eu ainda lutava por nós.

Antes de fechar a porta, você perguntou, com um sorriso choroso no rosto: "Volta?". Eu não sabia a resposta.

Na escolha, dos males, o melhor: Nunca mais tive notícias suas.

No final, eu havia desligado o fogo e, assim, feito a água, aos poucos, se esfriar.

Talita Tonso
Enviado por Talita Tonso em 09/12/2011
Reeditado em 23/02/2012
Código do texto: T3380623
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