Desencontros e Encontros de Vidas
 
       Antes do casamento, quando entravam os derradeiros convidados, um reservado amigo, apontando para uma vistosa mulher de seus aparentes 47 anos, confidenciou-me suas predileções por ela, lamentando não ter nascido ao lado da sua idade, morado mais próximo do seu bairro, no tempo e lugar imaginados à realização do romance pretendido. Sabia detalhes; descrevia seu corpo como tivesse o conhecimento a que se referem os exegetas do Cântico dos Cânticos; enfim, lamuriava: - “Por que a descobri tanto tempo depois, morando na mesma cidade?”  Interrompido pela súbita chegada da neta, vistosa mulher, rapidamente se desembaraçou da inconveniente presença:”  - Meu celular?  Está com a sua avó...” 
 
       E retomou o assunto: “- Nasci na época errada. O tempo tem sido ingrato comigo. Chego tarde ou cedo demais”, continuou destratando sua vida por nunca desfrutar da hora certa. A circunstância, quando repleta de chances, escapa-lhe das mãos como água entre os dedos; os aproveitáveis momentos são cavalos selados que passam sem que ele monte algum. Enfim, deu-me ocasião para lhe indagar se ocorririam apenas felicidades caso tivesse casado com aquela “mulher fatal”. Enfatizou seus frustrados propósitos: “- Tenho certeza!” E com expressões de irritado, questionou-me: “- Você duvida?”

       Sem duvidar nem concordar, analisei as frustrações e cheguei à conclusão de que não podemos assegurar atuação em hipotéticas circunstâncias da vida. Reconheço sempre, repetindo Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, tão somente as minhas!  Como escolher circunstâncias? Nem planejá-las, muito menos as enigmáticas, as coincidentes e as que, de repente, acontecem. Na realidade, há desejos bem maiores do que a probabilidade de que eles ocorram, ao que, retorna Gasset, censurando que se pretenda que uma coisa desejada se realize, simplesmente porque a desejamos.  O desejo compreensível se acompanha dos possíveis meios da sua execução. Contudo, excetuamos circunstâncias que jamais nos beneficiarão, somente com a contemporaneidade, mesmo que para elas planejemos convergências.  A  lógica impõe a aceitação de que ninguém pode mudar a época em que nasceu, cresceu e morreu tampouco seus contemporâneos. Nessa viagem, calham estações, coisas, fatos e pessoas, tudo com que conquistaremos ou não a felicidade, sem a passividade da qual se afligiu Heródoto: “São as circunstâncias que governam os homens, não os homens, as circunstâncias"; nem a presunção de Benjamin Disraeli: “O homem não é a criatura das circunstâncias; as circunstâncias é que são as criaturas do homem”.