Na festa das Águas
A bela praia de Pajuçara
Os grupos culturais no palco e o povo na rua se expressam
“Alagoanos e alagoados, as restrições espaciais que a prefeitura de Maceió propõe para a manifestação dos cultos afro-alagoanos neste dia 8 de dezembro são emblemáticas da falta de sensibilidade cultural da administração da cidade. Maceió é uma cidade tão mestiça, tão miscigenada como qualquer outra urbe brasileira. É um absurdo querer desconhecer ou restringir as manifestações de sua dimensão afro. O senhor prefeito deseja ser conhecido por ter vindo do povo e por dar espaço em sua gestão aos seus problemas, mas o que vemos é que esse povo reivindicado pelo prefeito é um povo inventado e não o maceioense real, é um povo sem especificidade, sem cultura própria, sem iniciativa política, é um povo submisso às elites. Mas o povo real vai se levantar, está ganhando consciência cultural e política, já conta com novos mediadores culturais e políticos, e saberá dar o troco hoje e nos próximos embates, como na eleição do ano que vem. Nem o Quebra dos Terreiros, em 1912, conseguiu acabar com a resistência das religiões afro-alagoanas, mesmo que o Xangô tenha passado a ser rezado baixo por décadas. Hoje seria um bom dia para a desobediência civil generalizada às restrições claramente discriminatórias impostas pela prefeitura, hoje seria um bom dia para que a rebeldia atávica do povo alagoano, que já se encarnou em Zumbi e Vicente de Paula, por exemplo, apareça em todo seu esplendor. Que os atabaques toquem alto e que um povo mestiço mostre a riqueza de suas crenças. Golbery Lessa via facebook de Ana Claúdia Laurindo
Depois de ler uma provocação como esta, quem, com seu juízo no lugar e em sã consciência ficaria em casa? Quem, que em algum momento de sua vida defendeu a livre expressão, o direito inalienável de professar sua fé - direito este afirmado na Constituição Federal, que parece ser desconhecida das autoridades de plantão da nossa cidade – não se sentiria desafiado a juntar-se ao real povo dessa cidade e defender esse e todos os direitos conquistados muitas vezes a custa do sangue e da vida de outros?
Cada vez que me pergunto por que a alegria, as expressões da religiosidade dos cultos de matriz africana, os paramentos, as músicas e as danças, provocam o temor e a intolerância de alguns, respondo-me que na raiz de tudo está o preconceito, a desinformação, o desrespeito com tudo que se refere e se aproxima do povo negro, mais da metade da população brasileira, que luta diuturnamente para ter respeitado seus direitos, para não serem ignorados e tratados com cidadãos de segunda classe.
Cheguei à festa no fim da tarde e me chamou a atenção a criançada que se divertia correndo na areia e no espaço dos shows. Elas, os pequenos Erês de sorriso confiante e nenhum temor em demonstrar sua alegria traduziam em mim o sentimento maior de um momento como aquele: a celebração da vida, o respeito ao direito de todos e de cada um deveria ser o mandamento principal para o convívio do seres dito humanos, nessa dimensão.
Fui recebida com um abraço e um sorriso de um deles e logo o convidei para me acompanhar até a praia para fazer umas fotos. A maturidade de Rafael do alto dos seus nove anos me animou:-“Não é um absurdo, tia Edna, proibir as pessoas de fazerem suas oferendas e tocarem aqui na praia depois da “5 horas”? “O que é que tem demais fazer isso?”
- “É sim, Rafa. É um absurdo e um desrespeito. E não tem nada demais não. Apenas ignorância desses que proíbem...”
O sentimento de Rafael, filho da amiga Luciana e do amigo e colega de trabalho, o jornalista Mauro Fabiani e o meu, era o de centenas de pessoas que ali estavam. Nos pronunciamentos nos intervalos das apresentações culturais, lideranças religiosas, intelectuais, lideranças de grupos comunitários e culturais manifestaram sua indignação para com a atitude intolerante e desrespeitosa das autoridades que limitaram o espaço e o tempo para oferendas e toques na orla de Maceió, inclusive com ameaça de recolhimento dos instrumentos.
Impossível não se indignar ao lembrar do Quebra dos Terreiros em 1912, quando no dia 02 de fevereiro, uma Yalorixá* (Tia Marcelina) foi assassinada por policiais a serviço da elites desse estado.Os terreiros foram destruídos e seus adeptos perseguidos e silenciados. Será que 99 anos depois, a história vai se repetir?
O sentimento de Rafael e o meu era o de centenas de pessoas que ali permaneceram até a última apresentação, o show da sambista Leci Brandão (Maravilhoso!), e seguiram em cortejo até a feirinha da Pajuçara, afirmando o propósito de reivindicarem o direito de expressar sua cultura, seu credo religioso e não se intimidarem com “autoridades” que pensam e agem como se a lei fosse uma corda esticada que pode ser levantada e abaixada seguindo suas conveniências.
Na Festa das Águas, um sentimento bom de pertencer a essa parcela de povo que não se dobra. Pude rever amigos e amigas, pessoas queridas que têm, como eu, compromisso com a militância pela vida, não apenas pregando tolerância mas respeitando todos e cada um no exercício do seu direito.
* sacerdotisa e chefe de uma casa de Axé (templo da religiosidade de matriz africana)
Olhem as fotos e vejam que belo cenário para uma celebração.
https://picasaweb.google.com/112000947846193997776/FESTADASAGUAS?authkey=Gv1sRgCMGC9q_n9Nq77QE
Quem quiser saber mais veja o documentário O Quebra do Xangô, de Siloé Amorin, que mostra as consequências do episódio para a vida e a cultura alagoana, além da tese "Xangô rezado baixo: um estudo da perseguição aos terreiros de Alagoas 1912", de Ulisses Rafael, Doutor em Sociologia e Antropologia pela UFRJ, disponível em PDF nesse link:
http://www.ifcs.ufrj.br/~ppgsa/doutorado/Texto_completo_46.PRN.pdf
A alegria de reencontar e abraçar pessoas queridas(Rita e Nazaré)
A bela praia de Pajuçara
Os grupos culturais no palco e o povo na rua se expressam
“Alagoanos e alagoados, as restrições espaciais que a prefeitura de Maceió propõe para a manifestação dos cultos afro-alagoanos neste dia 8 de dezembro são emblemáticas da falta de sensibilidade cultural da administração da cidade. Maceió é uma cidade tão mestiça, tão miscigenada como qualquer outra urbe brasileira. É um absurdo querer desconhecer ou restringir as manifestações de sua dimensão afro. O senhor prefeito deseja ser conhecido por ter vindo do povo e por dar espaço em sua gestão aos seus problemas, mas o que vemos é que esse povo reivindicado pelo prefeito é um povo inventado e não o maceioense real, é um povo sem especificidade, sem cultura própria, sem iniciativa política, é um povo submisso às elites. Mas o povo real vai se levantar, está ganhando consciência cultural e política, já conta com novos mediadores culturais e políticos, e saberá dar o troco hoje e nos próximos embates, como na eleição do ano que vem. Nem o Quebra dos Terreiros, em 1912, conseguiu acabar com a resistência das religiões afro-alagoanas, mesmo que o Xangô tenha passado a ser rezado baixo por décadas. Hoje seria um bom dia para a desobediência civil generalizada às restrições claramente discriminatórias impostas pela prefeitura, hoje seria um bom dia para que a rebeldia atávica do povo alagoano, que já se encarnou em Zumbi e Vicente de Paula, por exemplo, apareça em todo seu esplendor. Que os atabaques toquem alto e que um povo mestiço mostre a riqueza de suas crenças. Golbery Lessa via facebook de Ana Claúdia Laurindo
Depois de ler uma provocação como esta, quem, com seu juízo no lugar e em sã consciência ficaria em casa? Quem, que em algum momento de sua vida defendeu a livre expressão, o direito inalienável de professar sua fé - direito este afirmado na Constituição Federal, que parece ser desconhecida das autoridades de plantão da nossa cidade – não se sentiria desafiado a juntar-se ao real povo dessa cidade e defender esse e todos os direitos conquistados muitas vezes a custa do sangue e da vida de outros?
Cada vez que me pergunto por que a alegria, as expressões da religiosidade dos cultos de matriz africana, os paramentos, as músicas e as danças, provocam o temor e a intolerância de alguns, respondo-me que na raiz de tudo está o preconceito, a desinformação, o desrespeito com tudo que se refere e se aproxima do povo negro, mais da metade da população brasileira, que luta diuturnamente para ter respeitado seus direitos, para não serem ignorados e tratados com cidadãos de segunda classe.
Cheguei à festa no fim da tarde e me chamou a atenção a criançada que se divertia correndo na areia e no espaço dos shows. Elas, os pequenos Erês de sorriso confiante e nenhum temor em demonstrar sua alegria traduziam em mim o sentimento maior de um momento como aquele: a celebração da vida, o respeito ao direito de todos e de cada um deveria ser o mandamento principal para o convívio do seres dito humanos, nessa dimensão.
Fui recebida com um abraço e um sorriso de um deles e logo o convidei para me acompanhar até a praia para fazer umas fotos. A maturidade de Rafael do alto dos seus nove anos me animou:-“Não é um absurdo, tia Edna, proibir as pessoas de fazerem suas oferendas e tocarem aqui na praia depois da “5 horas”? “O que é que tem demais fazer isso?”
- “É sim, Rafa. É um absurdo e um desrespeito. E não tem nada demais não. Apenas ignorância desses que proíbem...”
O sentimento de Rafael, filho da amiga Luciana e do amigo e colega de trabalho, o jornalista Mauro Fabiani e o meu, era o de centenas de pessoas que ali estavam. Nos pronunciamentos nos intervalos das apresentações culturais, lideranças religiosas, intelectuais, lideranças de grupos comunitários e culturais manifestaram sua indignação para com a atitude intolerante e desrespeitosa das autoridades que limitaram o espaço e o tempo para oferendas e toques na orla de Maceió, inclusive com ameaça de recolhimento dos instrumentos.
Impossível não se indignar ao lembrar do Quebra dos Terreiros em 1912, quando no dia 02 de fevereiro, uma Yalorixá* (Tia Marcelina) foi assassinada por policiais a serviço da elites desse estado.Os terreiros foram destruídos e seus adeptos perseguidos e silenciados. Será que 99 anos depois, a história vai se repetir?
O sentimento de Rafael e o meu era o de centenas de pessoas que ali permaneceram até a última apresentação, o show da sambista Leci Brandão (Maravilhoso!), e seguiram em cortejo até a feirinha da Pajuçara, afirmando o propósito de reivindicarem o direito de expressar sua cultura, seu credo religioso e não se intimidarem com “autoridades” que pensam e agem como se a lei fosse uma corda esticada que pode ser levantada e abaixada seguindo suas conveniências.
Na Festa das Águas, um sentimento bom de pertencer a essa parcela de povo que não se dobra. Pude rever amigos e amigas, pessoas queridas que têm, como eu, compromisso com a militância pela vida, não apenas pregando tolerância mas respeitando todos e cada um no exercício do seu direito.
* sacerdotisa e chefe de uma casa de Axé (templo da religiosidade de matriz africana)
Olhem as fotos e vejam que belo cenário para uma celebração.
https://picasaweb.google.com/112000947846193997776/FESTADASAGUAS?authkey=Gv1sRgCMGC9q_n9Nq77QE
Quem quiser saber mais veja o documentário O Quebra do Xangô, de Siloé Amorin, que mostra as consequências do episódio para a vida e a cultura alagoana, além da tese "Xangô rezado baixo: um estudo da perseguição aos terreiros de Alagoas 1912", de Ulisses Rafael, Doutor em Sociologia e Antropologia pela UFRJ, disponível em PDF nesse link:
http://www.ifcs.ufrj.br/~ppgsa/doutorado/Texto_completo_46.PRN.pdf
A alegria de reencontar e abraçar pessoas queridas(Rita e Nazaré)