Te Estoy Cazando

Jantava num restaurante argentino, onde, desde a parede em que estava pendurado, um gigantesco quadro me observava.

TE ESTOY CAZANDO.

Dizia. Dizia-me.

O poder das palavras é mágico. E, em menos de nada, senti-me capturada para a dimensão de tudo que é possível.

No ar vibrava um tango dos Gotan Project. Voluptuoso, dominador, como uma mão alucinada errando através das costas.

Foram múltiplos os cenários confabulados! Entretecidos de tangos amantes de gritos, sussurros, suspiros, feitos com o mesmo verbo: Te Estoy Cazando.

É deslumbrante o infinito da imaginação. Mas incomparavelmente melhor é a realidade que nos submerge em sincronias subtis, que teimam em fugir ao olhar tímido.

Mas nessa noite os meus olhos abriam-se despudorados. E puderam testemunhar um momento especial da vida de alguém.

Na mesa ao lado da minha, jantavam um homem e uma mulher, apaixonados (visivelmente o estavam). Com a mousse de manga, chegaram à mesa rosas vermelhas e champanhe.

Um ahhhh! suspirado saiu dos lábios dela.

"Queres casar comigo?", disse ele, rapidamente, como quem teme perder o sopro de coragem; expondo-lhe à altura dos olhos uma minúscula caixa de veludo negro, cujo interior revelou um magnífico anel de brilhantes.

Por momentos o tempo pareceu congelar. Ele ficou suspenso, eu fiquei suspensa. A própria mulher parecia suspensa sobre o cenário. Olhando fixamente o homem, vislumbrando através dele os contornos do mundo futuro.

"Te estoy cazando!", insinuava o olhar dele.

Finalmente o "Sim, aceito!" chegou e, depois dele, vieram os sorrisos cúmplices, o beijo apaixonado e a alegria de um momento, temporalmente exato, repleto de promessas de felicidade.

Eu sorri intimamente. Ainda não sei não me emocionar com as bondosas explosões de vida.

Mas a minha surpresa maior ainda estava para vir. Quando o homem se levantou para pagar a conta, a noiva acariciou amorosamente o anel de brilhantes já guardado no anelar esquerdo. Nos seus lábios saltitava um sorriso radioso que gritava:

"Te estoy cazando... te estoy cazando..."

Então ri-me! Confesso que ainda não sei bem porquê. Talvez fosse feitiço do quadro...

olinda morgado
Enviado por olinda morgado em 09/12/2011
Código do texto: T3379987