Crônica para Natália
No dia 24 de abril de 1995, às 4 horas, três homens armados invadiram a casa de Roni Martin, um dos proprietários da empresa Reuter Câmbio e Turismo, em Marechal Cândido Rondon (PR) para roubar o cofre da empresa. Levaram Roni Martin, sua esposa Leina e o bebê Natália, de 9 meses, até a residência do tesoureiro da empresa, Elton Kraemer. Às 7 horas, retornaram à casa e mantiveram reféns a família Martin e a família Kraemer (Elton, a esposa e os filhos gêmeos), além das empregadas das famílias.
Seguiram-se longas horas de negociação, até que os assaltantes ameaçaram matar o bebê no sábado, dia 29. Depois de 123 horas de sequestro, às 6,45h do sábado, 21 policiais invadiram a casa e, em 35 segundos, mataram os assaltantes. Para defender a pequena Natália, Leina Reuter jogou-se sobre ela, sendo ferida com quatro tiros; três, de policiais. Operada à 8h, no hospital da cidade, seu quadro era de “franca recuperação” quando da redação desta crônica.
Ela é somente uma garotinha. Nem completou ainda um ano. Não faz idéia do que se passa à sua volta. A seu modo, ensinam os psicólogos, registra tudo o que lhe acontece. Que significa, para um bebê, sequestro, terror, disparos? Está no centro de uma tragédia. Atrai a atenção de milhões que não a veem.
Um dia vai crescer. Saberá o que aconteceu. Para não assustá-la, talvez lhe contem só o essencial.
Com certeza, quererá ver as cicatrizes da mãe. Terá então a compreensão exata do que significa amar. Todos os ensinamentos, leituras, debates vão parecer-lhe ridículos. Ela não precisará de palavras. Poderá acariciar com a mão as marcas do amor.
Talvez interesses comerciais tenham deturpado a imagem da mãe. Mas a garota não entende de comércio. Para ela, mãe é aquela que põe o filho acima da própria vida. Haveria maneiras menos dolorosas de aprender essa lição. Nenhuma tão eficaz. Mãe é quem dá a vida. Quem dá a sua vida.
Foi preciso que assistíssemos, via satélite, nos quatro cantos do País, a esse drama para compreendermos o que já deveríamos saber.
Deus se serve de pessoas inocentes para ensinar-nos aquilo que nossa dureza de coração e mente insiste em não aprender. Convivendo tanto com o amor de mãe, como ainda não o conhecíamos? Falávamos dele, entoávamos canções a seu respeito, porém, no fundo, talvez o reduzíssemos a uma das muitas imagens vazias com que enchemos nossa vida. A um estereótipo que certos poetas tanto gostam de pintar.
Vem agora a provação de Leina Reuter e, da sua angústia, extraímos a compreensão extrema de amor materno.
Queira Deus não tenha sido inútil tanto sofrimento. Temos novo argumento, feito de sangue e de dor, para confirmar o que já sabíamos ou deveríamos saber: mãe carrega dentro de si um pouco de Deus.
Só mãe ama dessa maneira. Descobrimos que para haver amor é preciso existir heroísmo. E que heroísmo faz parte da vida humana quando Deus está com a gente.
Aprendemos também que é hora de rever conceitos. De examinarmo-nos por dentro. Sem medo de abandonar posições que julgávamos definidas.
Quantos discursos já fizemos sobre amor! Quanto já usamos, sem pensar, essa palavra!
A mãe Leina trouxe-nos um grande problema. Daqui para frente, vamos ter que pensar muito, antes de nos arriscarmos a dizer que amamos.
(10/05/1995)