Até que a morte nos separe...

Aquele senhor estava bastante mal.

Era meu companheiro de UTI.

Mas, como muitos que passaram ali naqueles dias, eu pensava que não o veria mais.

Realmente, alguns não se viam mais, outros foram para outras salas... sei lá, cada um tem ali sua própria luta.

Vence quem quer viver, mas se não vence, morre lutando!

Mesmo eu, com tanto para me preocupar comigo mesmo, poderia ser que dali também não sairia!

Qual não foi minha surpresa que quando no semi-intensivo levaram aquele senhor para ser meu companheiro de quarto. Fiquei contente, pois era sinal de sua recuperação.

Ele tinha, calculo eu, mais de 80 anos. Deveria ter tido uma pneumonia, tal sua tosse.

E a mesma doce figura que vi ao seu lado lá na UTI, ali estava de novo, no curto horário de visita permitida.

Ele já tossia pouco, e eu, torcia para que ele se recuperasse logo.

Mas a força que aquela idosa senhora dava a seu esposo era de fazer inveja.

Ela passava o tempo todo falando ao ouvido dele, lembrava-lhe dos velhos tempos, cantava-lhe valsas muito antigas, e depois, quando ele adormecia, ela o beijava e saía bem devagarzinho, feliz, dizendo que amanhã voltaria.

Nunca vi nela lágrimas ou sentimentos de tristeza, ela sempre sorria.

Passava pelos rapazes ou enfermeiras que encontrava e lhes passava um monte de recomendações, sempre de forma bastante meiga.

Tão grande era o carinho que aquela senhora tinha pelo seu velho companheiro, que todos passaram a querer bem o casal e também de uma forma mais carinhosa, percebi que passaram a tratar o velho senhor.

Interessante como ela irradiou alegria naquele ambiente de sofrimento e luta.

No dia seguinte, lá estava ela pontualmente, trazendo-lhe mais um pouco de carinho e extrema devoção e amor. Era realmente o melhor remédio que ele recebia, mas de uma dose excessivamente alta, se é que a esse tipo de medicamento permitido seria colocar medidas.

Mas, qual o que, ela sabia a dose que ele precisava no momento, que médico algum ousaria contestar...

Em pouco tempo ele já se apresentava bastante recuperado...

Não o vi mais, pois eu já estava saindo do semi-intensivo e sendo instalado em um quarto, mais uns dias eu poderia ir para casa.

Minha luta estava, naquele momento praticamente vencida.

Ao sair, ainda intrigado com aquele doce relacionamento do velho casal, não deixei de perguntar por ele.

Disseram-me que ele estava muito bem, já recebendo também sua alta médica.

Fiquei muito feliz com isso. Milagres do amor!

Mas, confesso que fiquei com uma inveja enorme daquele senhor, que certamente teria feito por merecer tanto amor, carinho e dedicação, que causava radiação por onde passava. E aquela senhora, demonstrava, o quanto era querer bem, e com enorme coragem, acompanhava seu esposo nas suas horas mais difíceis, sem esboçar sequer um sentimento de despedida ou coisa que o valha, e sim, enfrentando apenas com carinho aqueles momentos, onde não coube comiseração e sim, alento à vida.

A isso, pensei então ser aquele juramento, desnecessário até de público ser dito acaso realmente profundo amor exista, de cuja demonstração ali eu fora testemunha.

... Até que a morte nos separe!

HCor, julho de 2004.

MARCO ANTONIO PEREIRA
Enviado por MARCO ANTONIO PEREIRA em 06/01/2007
Reeditado em 06/01/2007
Código do texto: T337867
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