O velho e o ribeirão
O VELHO E O RIBEIRÃO
Quando a solidão o dominava o velho ia às margens do ribeirão e ficava observando suas águas que deslizavam continuamente sob seus olhos. Embora modesto, o ribeirão ali estava representando a natureza, mostrando pujança ou suavidade. Quedar-se absorto e pensativo era seu passatempo favorito porque o descontraia, e com a descontração esquecia desgostos e frustrações. Não acreditava que aquele ribeirão recentemente tão cheio de vida estava agora enfraquecido, as águas poluídas, com suas margens solapadas pelas monções. Períodos de estiagem baixavam seu nível causando profundas modificações no seu trajeto. O ribeirão era seu confidente!
No período das cheias seu nível crescia, trazendo boas colheitas, alegria e esperança em dias melhores, sempre com os riscos de enchentes ocasionais que provocavam tristeza e desolação. O velho concluiu que a natureza também estava sujeita a imprevistos e que ela não conseguia evitar que isto acontecesse. E ele também não: anos de dedicação não lhe permitiram prever períodos de turbulências em sua vida.
Sob seus olhos sofridos e consciência atormentada passavam periodicamente águas claras, barrentas, escuras, com calhaus grandes e pequenos que corriam rapidamente sob a ponte e desapareciam na curva do rio. Ali se via de tudo que era descarregado em seu leito. As águas não escolhiam o que transportar, aceitando sempre e silenciosamente folhas, galhos, ramos, plásticos, fragmentos de madeira, restos de alvenaria... O ribeirão não tinha como demonstrar seu desagrado e com um lamento mudo protestava ao ver que estava sendo assoreado e acreditava que um dia seria tratado melhor. E esperou em vão...
Nas margens havia vegetação, sossego, placidez, suavidade, flores. Era a paz, a felicidade, a beleza. A calma desaparecia com as tempestades que aumentavam a violência das águas e no seu longo curso o corre-corre frenético da corrente rodopiava turbulento inundando tudo ao seu redor. Nestas épocas sobrevinham angústia e intranquilidade. E, assim, o velho deixava-se ficar, compreendendo que ele e o ribeirão não poderiam alterar ou modificar seus destinos e aceitava resignado.
Gostava de comparar o deslizar das águas com os acontecimentos da vida. Observava que elas alternavam seu modo de fluir, às vezes calmas, às vezes tormentosas, num desfilar constante, bravias ou plácidas como o ir e vir dos fatos que perturbavam sua mente. E filosofava: a alma humana e a vida são como as águas deste ribeirão, também têm alegrias e tristezas imprevisíveis.
Nas adversidades sentia-se tremendamente só e abandonado, mas não se deixaria dominar pelo desânimo, não permitiria ver sua autoestima ser afetada e sua existência se desfazer em cinzas. Gostaria de não passar por dificuldades existenciais, porém com o tempo ele compreendeu que também fazia parte atuante do jogo da vida e que era um ser humano como outro qualquer, sujeito a todo tipo de julgamento. Apesar de tudo teimava em não sucumbir. Ainda lhe restava uma força interior que o animava a lutar. Quem sabe apareceria uma ajuda que iluminasse o seu caminho, que o tornasse mais suave, que lhe estendesse mão amiga em que pudesse apoiar?
Abatido, incompreendido, desacreditado e cansado de lutar, com os olhos marejados por mágoas e decepções, o velho teve uma visão de duas sombras que se debatiam no turbilhão das águas, rodopiando e afundando para sempre no escuro sob a ponte, afogando juntos e definitivamente numa um resto de esperança em agonia e na outra um amor que, se existiu, já estava morto.