Um assalto
Imagino que em alguns lugares do Brasil as coisas ainda sejam mais tranquilas. Poucos lugares, talvez. Mas ainda não é todo mundo que tem uma história de assalto para contar. E até algum tempo, eu era como o Cristóvão Tezza: jamais havia sido assaltado, a não ser pelas instituições oficiais – o Governo, o Estado. Só que um dia as coisas mudaram. E não foi aqui em Brasília, como se poderia supor. Foi em Curitiba, a mesma Curitiba que até hoje poupou Tezza. Pois a mim não poupou.
Eu estava em uma Feira do Livro no SESC. Já havia ouvido uma palestra com o Moacyr Scliar, outra com o Daniel Piza, e naquela noite fui ver a Marina Colasanti, que eu não conhecia – não sabia nem que era mulher do Affonso Romano de Sant’Anna. Bom. Mas fui ver Marina, e ela falou algumas coisas interessantes sobre a crônica.
Destacou a importância dos links com o mundo externo, da ironia, da agilidade e da fuga dos lugares-comuns. Disse que gostava da crônica vinculada ao noticiário. Chamou a crônica de gênero a cavalo – um pé em cada estribo. Falou que crônica grande demais prejudica o leitor, e lembrou que há confusão na imprensa entre crônica e colunismo. E disse ainda algumas besteiras, das quais a maior foi que a crônica não é literatura, mas jornalismo bem escrito.
Anotei tudo isso em uma agenda. Quando acabou a conversa, eu fui um dos primeiros a sair de lá. Passava das 21h, e eu queria chegar logo em casa. Meu pensamento era escrever ainda aquela noite um texto sobre a palestra para publicar em meu blog. Comecei então a caminha para pegar o meu ônibus – eu precisava caminhar um bocado, pois iria do Sesc até a Praça Santos Andrade. E mal tinha saído de lá quando vi no outro lado da rua dois rapazes que poderiam muito bem ser suspeitos. A rua estava escura. A canaleta do ônibus biarticulado era logo ao lado. Os rapazes vieram na minha direção e alguma coisa na expressão deles dizia que eles não estavam a fim de discutir literatura.
Tive certeza disso quando eles me alcançaram e um deles apontou uma faca para mim e disse: “Passa o celular”. Imaginei que ele não estava se referindo ao número. Não quis verificar se sua faca estava carregada, e por isso resolvi entregar o celular – e entreguei com uma incrível calma, meio aborrecido, como se estivesse pagando os meus impostos.
Era um modelo antigo e estava sem crédito. Se duvidar, até sem bateria. Para não sair no prejuízo, eles resolveram ainda levar uns R$ 30 que eu trazia comigo. Revistam a minha mochila. Viram lá dentro a minha carteira – vazia, pois meu dinheiro estava no bolso. Feito isso, deixaram o resto pra trás e se despediram, pois vinha chegando gente.
E quem chegava era uma mulher, que também havia assistido a palestra com a Marina Colasanti. Ela reparou que havia algo estranho e então perguntou se eu havia sido assaltado. Confirmei e ela então se ofereceu para pagar a minha passagem. Recusei: eu ainda tinha R$ 2 que os assaltantes não conseguiram achar. E continuei caminhando até o ponto.