A velhice não me assusta

Ah, como a paciência me incomodava.

O relógio insistia, a todo momento, em sair do bolso, e lá ia eu, puxando o cordão verificar que nada do tempo havia transcorrido.

O terno branco, de linho, me impedia de sentar no banco ao redor do coreto, a sujeira do assento e as naturais rugas que marcariam o tecido me obrigavam a ficar de pé.

O lenço já não enfeitava o bolso do paletó, fora usado diversas vezes para enxugar o suor persistente, e o cravo da lapela também havia cedido o viço à temperatura caustica.

Miguel Aceves Mejias não parava de cantar Paloma, acompanhado, acho que por mil mariachis, no som ambiente e estridente, ao redor da igreja

Tive que apelar para uma raspadinha de groselha que o sorveteiro ambulante vendia na praça; e meu Passo Doube 427 (hoje acredito que o 427 referia-se ao peso do calçado, 427 toneladas) torturava meus calos.

A camisa Volta ao Mundo fora confeccionada com uma fibra impermeável, temi que o suor acumulado acima do cinto, se transformasse em um cinturão de água (salgada).

O lambe-lambe renitente a oferecer fotografias que iriam comprovar aquele encontro, quando eu precisava muito mais de socorro e menos registros

O chapéu Cury estrangulava minha testa, e eu soube, naquele momento, que a coroa de espinho de Cristo O fustigou mais que a cruz.

Finalmente Adelaide chegando, com uma saia plissada de cor ocre, uma blusa de manga ¾, de um branco assustadoramente virgem, como tudo era virgem nela, e como eu era alérgico à renda do Ceará, mantinha-me à distância, ela trazendo, pelas mãos, o irmão caçula sentinela de nossos encontros e corrompido a sorvete, muito sorvete.

Meu pai havia me contado que o camafeu que ela carregava na blusa fora trazido da Itália por Francisco de Melo Palheta, quando introduziu o cultivo do café no Brasil, por volta de 1700; mas tenho certeza de que Adelaide é bem mais nova que o seu camafeu, muitos, muitos meses.

Ela era normalista, com sério propósito de um dia vir a ser A Professorinha, cantada em versos e trovas por Ataulfo Alves, de quem ela era ardorosa fã.

O despertador tocou e eu acordei, e dei graças a Deus por estar com mais de 60 anos e que tudo que eu acabei de vivenciar em sonho, havia ficado no século passado e não quero nunca mais passar por aquela experiência, mesmo sabendo que Adelaide permanece...VIRGEM

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 07/12/2011
Reeditado em 07/12/2011
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