LEMBRO-ME

POEMA:

Para Benito Barros,

no seu primeiro aniversário de falecimento

Me lembro de sua barba branca

De seu óculos ora escuro, ora de grau

Sem saber nunca se era sempre o mesmo óculos

Lembro-me também de sua blusa com os dois botões de cima abertos

Sua calça jeans velha e seus sapatos nunca engraxados

Isso mesmo, foram os seus sapatos

A primeira coisa que me fez notar ser ele um dos mais sinceros homens

Não costumo confiar em pessoas com sapatos muito engraxados

Lembro, quando criança, ainda sem nem pensar ser poeta

Ele lá sentado, na sorveteria do meu pai tomando cerveja...

Era o único homem que o meu pai deixava beber

Em suas meses de alumínio que ele zelava tanto

Para as crianças tomarem sorvetes:

Ele chegava e dizia:

“Edgar, galado, vou pegar uma cerveja lá no bar de Bigode

E trazer pra cá, gosto mais de você,

Mas você não quer vender bebidas”

Eu tinha cerca de uns 11 anos

E como disse, nem pensavam em ser poeta

Não sabia nem o que era poesia

Coisa que ele já fazia com maestria

Lembro-me bem

Que ele me chamava e fazia joguinhos de adivinhações comigo

Sabia me respeitar, e respeitava os meus amigos

Coisa que os maldizentes falavam dele com injustiça

Lembro-me sempre de sua complacência a quem era da arte e do esporte]

Nunca vi Benito Barros negar um patrocínio a um artista ou desportista

Quando falei pra ele que pensava e abandonar o curso de Direito e a poesia]

Pra tentar trabalhar mundo a fora

Lembro-me que ele disse...

“Tudo bem... vá em frente, e quando você tiver chorando

Arrependido, deprimido, não serão as lágrimas de um trabalhador,

Mas o arrependimento da poesia por ter perdido mais um poeta

Para esse mundo hostil. Se apresse não, galado”

Não foi bem com tais palavras, mas com tal sentido

Eu o admirava tanto, e quando estava pensando em parar de escrever,

Ele no bar da Djane me chama e me diz:

“Galado, escreva mais, eu gosto do que escreves”

Pra mim foi um gozo, um regozijo imenso

Como se eu estivesse lendo os diálogos platônicos

E intimamente vendo Sócrates elogiando Platão

Era o meu ídolo da sabedoria me incentivando

E dizendo que gostava do meu pensamento

Eu adorava quando ele me dizia:

“Esse é meu anarquista mais arretado!”

E do que mais lembro, foi quando ele perdeu uma aposta pra mim

Depois de eu ter desvendado a mensagem subliminar

Do seu livro “Réquiem para o Infinito”:

Descobri de qual Infinito ele falava

E quando eu o disse, ele disse: “não, você é um GALADO, mesmo, viu!”

Me pagou a grade de cervejas

E fui bebi com os meus amigos que não são poetas

Vários e vários livros de presente que ele me dera

E quem dera... Não mais os ganharei

Mesmo assim, por mais ciúmes que tenha eu dos meus livros

Eu queimaria todos, e olhe que isso é mais doloroso do que se imagina,

Por mais alguns anos de vida sua...

Não bastava falar mais nada,

Só ficar ali no cantinho do bar de Djane

Com seus óculos, sua blusa amarrotada,

Sua calça jeans e seus sapatos velhos

Espiando a conversa alheia

E sorrindo de canto de boca

O cigarro eu dispensava, pois ele foi o seu algoz!

Saudade não é um sentimento alheio ao nada que não volta mais

Ou que se foi para sempre...;

Saudade é o sentimento chorando ausência,

Culpa de uma lembrança inesquecível