O DESPERTAR DO PÓ
Consolado por: Angelo Magno  


Joana encostou a cabeça no travesseiro sentindo um enorme peso, como se tivesse concentrado todas as culpas da humanidade dentro de sua consciência que, em busca de consolo, tentava refazer cada passo dado naquela ensandecida noite.

A poltrona desconfortável, que gemia em resposta a cada movimento feito por aquela jovem senhora, lhe serviria de cama por hora, mas ela não conseguiria dormir, seus olhos estavam fixos na imagem daquela pequenina criança deitada com todos aqueles tubos, painéis, luzes e bipes. Não sabia seu nome ou como foi parar no meio daquela avenida movimentada sozinha, sua certeza residia apenas no medo do que poderia acontecer com aquela criança desacordada à sua frente.

Com uma prancheta em mãos, uma enfermeira fazia leituras e anotações a partir dos dados dos medidores, coisa que Joana não fazia ideia de como interpretar e isso aumentava ainda mais sua agonia e dúvida, fazendo da culpa de ter atropelado aquela criança sua única certeza.

Antes que Joana pudesse esboçar qualquer reação, a menina abriu os olhos e balbuciou algo, mas o tubo de respiração que estava em sua boca a impedia de articular bem as palavras. A enfermeira se reclinou sobre a pequena moribunda pedindo que repetisse o que havia dito, em seguida olhou para Joana e disse meio sem jeito: "ela disse: Wilson”. Wilson? Pensou Joana abaixando a cabeça em busca de respostas. Em seu colo, estava o ursinho da menina que ela sabia – havia passado por cima durante o atropelamento.

O urso estava com os braços quase arrancados, os pelos esfoliados, faltando um olho e o algodão saindo pelas costas rasgadas. Na etiqueta que havia na perna daquele bonequinho, podia-se ler “WILSON”. Joana estava em choque! Concluiu que aquela menininha havia arriscado a vida para salvar seu ursinho de pelúcia que, de alguma forma, fora parar no meio daquela avenida movimentada, um ato de bravura e amor do qual aquela bem-sucedida CEO havia esquecido.

Em lágrimas, Joana silenciosamente repousou Wilson sob os bracinhos da menina e caminhou para fora do leito, tirou o celular da bolsa e procurou na lista telefônica até encontrar o nome “Rosana”, apertou o botão de chamada e esperou alguns toques até que uma voz embargada respondesse: - Joana? É você? Com os olhos fechados, Joana inspirou aquela voz que não ouvia há mais de dez anos e em seguida, como se tivesse voltado aos tempos de criança, choramingou: - Me desculpe mamãe!


 







Estocado em: CRÔNICAS
Leia também: O QUE SIGNIFICA "PERDÃO"
Angelo Magno
Enviado por Angelo Magno em 06/12/2011
Reeditado em 22/04/2013
Código do texto: T3374695
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.