Hemorrragia no caos

O mundo comercial criou o idiótico coletivo que torna impossível a reflexão e assimilação dos problemas polêmicos mais profundos do nosso tempo como à liberdade das drogas, o aborto clandestino, a própria natureza democrática das instituições. Só a aparência ganha neste descolorido tom o sentido de realidade. O advento da internet para o que chamam de literatura é um exemplo real do idiótico. Enquanto poesia é preciso respeitar o poema dos “doentes emocionais” que recebem glórias compreensivas da maioria. Devotados aduladores recorrem ao preceito do galanteio mágico como imploração de sentimentos. É o mais curioso mecanismo de escape de nosso tempo. Mas poesia não é um problema emocional. Tornou-se uma razoável epidemia pública. Razoável enquanto admite o humor, mas quando exerce o tom de "seriedade absoluta" descamba para a zona mais negra da própria identidade: ausência de ridículo. A falta de autocrítica aniquila o poeta e o deposita na zona do espelho da impersonalidade. Espelho em que as pessoas frágeis se admiram sem noção do impoético.

O mesmo ocorre com a pintura terapêutica que abrange a solidão compensada e outras dificuldades de ordem subjetiva. Todos então desenham para si uma identidade artística e cultural publica e livre, que obriga a elitização forçada ao modelo com mais rigor e discernimento. Mas tal devoção editorial tem acabado devido à facilidade com que se paga um título artístico que simplesmente pretende garantir uma vaga no cenário do sucesso. Neste ponto é fácil revestir uma obra criada por uma consciência de mingau com os mais belos rótulos da graciosidade. Extingue-se o rigor e cria-se a monstruosidade, sendo tal vantagem à liberdade em sua exclusividade particular. O ponto crítico da educação.

Nada mais pavoroso do que uma conspiração de medíocres. Nos dias de hoje as "comunidades literárias" são o nicho da conjuração contra o bom senso do melhor equilíbrio estético. O bom equilíbrio estético nutrido pela melhor profundidade. Em meio as aspirações vaporosas o valor real será rapidamente sentido como avesso e "excluído severamente" como “desreipeitoso”. A palavra "respeito" dá ao medíocre todo aporte melodramático de que precisa para fazer vibrar a sua ira. Ira contra o valor real.

Podemos dizer que os melhores frutos da criatividade estão ocultos no sentido comercial da maioria, para quem toda realidade incapaz de se compactar em produto de mercado parecerá petulância. Ocultos dentro da rede mundial de computadores os ciumentos se escondem até a ocasião dúbia, para tomar de assalto a vez e destroçar qualquer indício de brilho. O mesmo fenômeno ocorre em todo bairrismo, em todo fanatismo, em toda pilha gasta de fanatismo.

Os escritores terminaram. Hoje o que temos são conselheiros emocionais na qual a minha grande escritora se transformou, para não destoar a sua inteligência suprema com aquela da maioria colorida. É um critério de mercado. Semelhante a poderosa força superficial que os drogados evitam, mas insistem em dizer que pelo menos ali está presente um mínimo de contato subjetivo real. Um pouco do fenômeno que ocorre de fato em si ainda não produzido pelo semblante do supermercado universal onde vive nosso semi-inconsciente.

O fato é que diluído o indivíduio nesse supermercado global deseja se sentir uma civilização em si mesmo. Luta nas ruas para ser respeitado como tal, falsamente iludido como um rei deposto. O indivíduo hoje é infantilmente dedicado apenas às coisas superficiais bem como e ao derramento de poesia. A poesia tão chinfrim como hemorragia no caos. Império da semi-reflexão.

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 05/12/2011
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