PESSOAS CANA
Por Carlos Sena
Por Carlos Sena
A gente não pode perder a capacidade de se indignar. Também a gente não pode perder a capacidade de lutar por causas que muitos dizem “sem jeito”, como é o caso da corrupção no Brasil. A gente até desanima diante do discurso de Rui Barbosa no Senado Federal: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. A gente não pode se isentar da culpa geral de que esses que estão aí roubando a merenda escolar, as verbas da saúde, etc., fomos nós que, de certa maneira os colocamos lá. Essa culpa se consolida em cada fila que a gente fura, em cada “jeitinho” que a gente pede pra ser dado quando somos multados no trânsito; quando pedimos para algum conhecido nosso “ter uma ajudinha” num processo seletivo de emprego; quando, num supermercado, furamos um pacotinho de uva para tirar uma delas; quando, ao recebermos um troco a mais não o devolvemos ao caixa, etc. Num simples gesto de entendermos que o estado são os outros, estaremos configurando nossa culpa com essa corriola que está aí.
Certamente que estamos falando de valores. Falar deles não é fácil porque são criados em cima de conceitos e estes carregam consigo toda uma subjetividade. Mesmo assim, a gente tem que insistir no entendimento de que há uma ética que norteia as nossas atitudes em todos os segmentos da vida. Se até dentro dos presídios existe uma ética; entre as prostitutas há uma ética, por que fora dele a gente sempre se esquece disto? A ética das relações interpessoais perpassa necessariamente pela conhecida assertiva do direito de um que termina quando o do outro começa... Outro elemento conceitual disto reside na
Conhecida palavra bíblica “não quereis para o outro o que não quereis pra ti”... – princípio cristão que secularmente vem sendo citado, mas muito pouco vivenciado.
A gente não pode mesmo perder a capacidade de se indignar. Essa capacidade está inerente a nossa capacidade de amar. Este talvez seja o viés mais forte do processo, pois não podemos nos tornar amargos diante da realidade que nos cerca. Pessoas amargas perdem-se no travo natural da vida. Aposto mais, como apostou Dom Helder, nas “PESSOAS CANA” – são aquelas que, mesmo trucidadas, moídas, só sabem dar doçura. Pessoas doces – eis o diferencial. Não são pessoas tolas, nem ingênuas, nem garapa. Tenho medo de pessoas garapa. Elas nem são doces nem amargas e podem, nos processos de convivência, nos surpreenderem pra pior, posto que tiveram oportunidade de serem doces e não foram.
Aposto repetidamente no amor. Repito-me como se ele fosse, pois sem essa ventura o amor não se estabelece em suas mais diversificadas formas de acontecer. Não desanimemos pois diante do que nos parecer insolúvel, pois nada resistirá aos processos instituídos pelos homens de boa vontade.