RESGATES

 
Daqui a alguns anos você estará mais arrependido pelas coisas que não fez do que pelas que fez. Então solte suas amarras. Afaste-se do porto seguro. Agarre o vento em suas velas. Explore. Sonhe. Descubra. (Mark Twain)
 

Para chegar ao casarão que vivemos e que hoje abriga nossa mãe, levei quase duas horas e meia, quando geralmente o percurso de setenta e oito km é de apenas uma hora e dez. O ritual de preparar a música para ouvir no caminho da montanha é feito enquanto o carro é preparado no posto. Escolho três cd´s, colocados cuidadosamente no banco, junto com a fiel câmera que ganhei dos meus filhos.



A música faz parte de minha vida de várias maneiras; cada uma tem seu significado especial. É ela quem dita o que escrevo. Ultimamente tenho evitado ouvir aquelas que me afogam em lágrimas de saudade e tem dado certo. Ficar no meio termo é melhor e Ana Carolina, Alcione, Rod Stewart, vozes fortes e audazes - e que passam força nas suas interpretações - fazem com que meus olhos não fiquem (tão) molhados.


O transito de Vitória já não suporta a grande quantidade de carros que entram na cidade todas as semanas. Cada rua que passamos tem carros estacionados em fila dupla, os sinais de trânsito não são respeitados. Para retornar de algum ponto temos que dar uma volta imensa, que geralmente nos faz perder mais tempo. Saí de casa as doze e trinta e, uma hora e quarenta minutos depois, ainda estava a poucas ruas dela.



Quando, finalmente peguei a estrada, uma motorista estressada se acomodava de verdade para chegar aos abraços que tanto espero. 
Daí em diante é ter cuidado com a vida, porque ela é preciosa demais. Buracos, chuva, freadas, ultrapassagens; tudo isso tem que ser cuidadosamente enfrentado.

O pensamento voa. São os resgates que estão tomando lugar da vida de muita gente.

O que é um resgate? É retomar algo que perdemos em algum lugar de nossa existência. Nossa vida gira em torno de família, amigos, trabalho e amores. Eu ia colocar amores em primeiro lugar, mas pensando bem, quando precisamos resgatar algo, família vem em primeiro lugar. Quando precisamos muito, é a ela a quem recorremos.



Mesmo que fiquemos afastados por algum tempo, por pura infantilidade nossa, sabemos que ela estará lá, para nos acolher, para rir com a gente, para chorar, se for necessário. É ela que vai abrir os braços em torno de nosso corpo e alma, machucados, precisando de reparos com a destreza de uma cirurgia plástica.

Quando estamos em guerra conosco, afastamos os amigos de nossa vida. Saímos correndo do trabalho só para ficar longe de todos. É natural que isso aconteça e, raras vezes, temos força para enfrentar os problemas e partilhar, um a um, com pessoas que são perfeitas para nos ouvir.



A tendência é que nos recolhamos numa casquinha, de preferência de ferro, que se transforma rapidamente numa armadura, com todas as espadas afiadas para nos defender.


Ver os sorrisos espalhados no rosto de cada um, a certeza do dever cumprido, a mistura de momentos de extrema importância para cada um de nós, fazem-nos esquecer, por  momentos mágicos, a estrada esburacada, a chuva, a saudade fazendo aniversário pela sétima vez.

Meus resgates estão se completando. Claro que outros deverão ser acrescidos, à medida que a vida, este fio tão tênue, passa pela gente.

Dois momentos foram dádivas verdadeiras: o abraço em minha irmã – juro que agora eu choro mesmo – quando ela me contou da experiência de uma noite de sono difícil, com a presença verdadeira de Nossa Senhora. Os olhares de puro amor trocados entre nós, depois de tantos anos, valem muito mais que qualquer buraco e chuva na estrada.



 
Domingo de início de dezembro, para meu filho número dois, resgatando todos os pedaços soltos.



 
Imagens GoogleSearch - As orquídeas representam cada um de nós, em cada pedaço de vida.
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 04/12/2011
Reeditado em 24/03/2012
Código do texto: T3371123