Otimismo de vida e solidariedade...
De longe observei aquele senhor, fugindo do sol incessante recostado a um poste no cruzamento das ruas Martins Fontes com a Av. São Luiz!
Estava eu à procura de Rua Avanhandava e vi naquele senhor, que distribuía panfletos àqueles que passavam uma boa fonte para dar-me a dica da direção que eu deveria seguir.
Dirigí-me ao seu encontro e estiquei a mão onde foi depositado um dos panfletos que ele distribuía. De ‘bate - pronto’ tasquei a indagação:
--- Por favor! Será que o senhor poderia me informar como faço para chegar à Rua Avanhandava?
O senhor, que até aquele momento agia de forma impessoal, sorriu e respondeu:
--- Amigo... Está procurando uma rua ‘sui generis’ aqui na nossa cidade. Como costumo dizer para o meu filho, esta é uma rua peculiar por nossa cidade. O senhor prossegue pela Martins Fontes, depois ‘dobra’ a segunda à esquerda, uma espécie de viela, que já é a Rua Avanhandava. Conheço bem todas as ruas das cercanias...
Agradecendo pela atenção e cortesia daquele senhor, prossegui meu caminho em busca do ‘meu destino’ fazendo em meu interior uma inferência que o senhor deveria ser um dos milhares senhores aposentados, que depois de muitos anos dedicados ao trabalho, não conseguem sobreviver com a parca aposentadoria tendo de dedicar-se a atividades outras angariando ‘mais algum’ para complementar seu rendimento mensal. Há casos de senhores já com muita experiência de vida que ficam o dia todo, faça chuva ou faça sol, como ‘placas humanas’ efetuando chamamentos para locais de compra de ouro, obtenção de fotos 3x4 para documentos, empréstimos consignados, etc.
Seguindo as explicações dadas não tive o menor problema em encontrar o endereço que procurava e por lá realizar a minha ‘missão’...
Ao retornar pelo mesmo trajeto pela qual havia chegado ao meu destino, passei em frente a um supermercado e lá adentrei para adquirir algo para degustar, pois sai de casa bem cedo e estava praticamente em jejum. Optei por adquirir um pacote de biscoitos e aí surgiu repentinamente uma idéia em minha cabeça: “Aquele senhor estava naquela esquina sabe-se lá há quanto tempo, eu bem que poderia levar para ele um pacote de biscoitos também...”.
Uni ao pensamento a ação e adquiri um novo pacote do mesmo biscoito que havia adquirido para meu próprio consumo para ‘presentear’ aquele prestativo senhor.
Retomei meu caminho e, ao longe, já observei que ele encontra-se postado no mesmo lugar no qual eu o interpelei e ele, gentilmente me forneceu as informações. Acerquei-me rapidamente, ‘assumindo’ a mesma posição que havia ocupado quando o abordei pela primeira vez e fui logo falando:
--- Senhor,..., passei próximo a um supermercado e como estava com fome devido encontrar-me em semi-jejum e resolvi adquirir um pacote de biscoitos para aliviar a minha fome. Resolvi também adquirir outro, com o qual o estou agora presenteando pela sua camaradagem e educação dando-me as coordenadas para que eu chegasse sem dificuldades ao meu destino.
O senhor sorriu, olhou-me ‘diretamente’ nos olhos e falou:
--- Muita bondade sua, no entanto, todos os auxílios, as palavras de incentivo, os bons tratamentos reputo como não sendo mais do que a minha obrigação enquanto ser humano, daí não ver necessidade de pagamento pelos meus atos...
Senti-me constrangido em princípio, é verdade. No entanto, minha verdade também afloriu e eu ‘retruquei’:
--- Muito bom encontrar alguém que pactua com o meu pensamento também. Sempre fui partidário de que bem com bem se paga, porém, não necessariamente com mimos, recompensas financeiras, etc. Creio que quando fazemos um bem às pessoas, um agradecimento, um simples sorriso, um aperto de mão já é uma recompensa pelo bem praticado, seja ele de pequena ou de grande monta. Porém, gostaria que o senhor não levasse este meu gesto como um pagamento por sua presteza e exatidão nas informações que me prestou... Em realidade, não julguei justo passar por aqui ‘saboreando’ meus biscoitos e deixando um trabalhador por aqui, quem sabe, muito mais ‘necessitado’ de um ‘café da manhã do que eu...
O senhor, sempre com seu sorriso estampado na face, estendeu sua mão recebendo o pacote de biscoito que eu lhe ofertei, concluindo:
--- Realmente... Acredito que o senhor seja um ‘vidente’... Saio de casa bem cedo, pois moro bem longe, na periferia de São Paulo e nem tenho tempo de tomar um cafezinho... De vez em quando, quando sobram alguns trocados, também vou até o mesmo supermercado e adquiro um pacote de biscoitos para ‘enganar a fome’... Só me resta, então, agradecer-lhe do fundo do meu coração e, nessa época de festas que está chegando rapidamente, lhe desejo tudo de bom ao lado de seus familiares e amigos.
Sorri, batendo-lhe levemente no ombro componente daquele já ‘encurvado’ corpo, virando-me rapidamente para que ele não visse cair as lágrimas que verti sobre a minha face.
Felizes aqueles que, de uma forma ou de outra, conseguem precaver-se enquanto jovens para o futuro, pois, nesse nosso país de contrastes é sobejamente cantando em verso e prosa, que à época da juventude, os seres humanos menos necessitam de guarida, têm força e disposição para o trabalho, possibilidades de auferir melhores rendimentos... Se não se resguardam, chegam à época da velhice, necessitando muito de guarida, não tem mais força e disposição para o trabalho, não tem possibilidades de auferir melhores rendimentos. E, quando dão sorte, são amparadas pelos descendentes que, à revelia de não terem pedido para virem ao mundo, levam em consideração todo o esforço que muitos pais fizeram para propiciar-lhes uma vida digna e uma estrutura razoável para enfrentar o futuro incerto!