TIRANDO O CHAPÉU
De referência, ele tinha o Velho Chico, cujas águas recuam no mês de julho e suas margens tornam-se praia para a moçada da cidade.
Quando vinha nos visitar era alegria só, minha mãe não cabia em si de contente por ter tão próximo seu irmão de sangue. Ela repetia olhando-o com olhar embevecido: - É meu sangue!
E as noites transcorriam acordadas, de tanto causo para contar. Fulano que casou com sicrano, um que mandou lembrança, outro um recado, aqueloutro notícia de que logo chegaria.
Quando o assunto era morte do perguntado, o tom de voz mudava em reverência e dó, com um toque de desconsolo, para amenizar a notícia. Mãe chorava fácil quando se tratava dos de sua terra e nessa hora as lágrimas surgiam e ela as acolhia, dramática, dizendo que talvez não veria este, aquele, citando nomes um por um dos seus queridos.
O interessante é que me lembro de muitos nomes, as mulheres, muitas delas, no diminutivo: Cotinha, Senhorinha. Os homens tinham nomes característicos: Jovem, Leal, a maioria chamados pelo sobrenome. Quando se referia a várias pessoas de uma família, antepunha o artigo definido no plural seguido do sobrenome:- E Os Andrada?
Enquanto permanecia a estadia da visita ilustre, nós tínhamos que agir com extremo cuidado, qualquer gesto ou palavra impensada poderia provocar mal-entendidos, os parentes do lado materno eram muito suscetíveis.
Os conflitos que rotineiramente faziam parte da casa cessavam, eram camuflados ou resolvidos discretamente. Tudo para não ferir o princípio da hospitalidade, afinal a viagem fora longa e era uma deferência sair da terra natal para visitar-nos e trazer notícias, matar saudades.
Certa feita, numa dessas visitas, resolvemos levar o tio para conhecer o mar. Rumamos para o litoral, com paradas para ver a paisagem e tirar fotografias.
Meu tio, que nunca vira o mar, saltou do carro num ímpeto, com o olhar fixo, postou-se de pé na praia, tirou o chapéu e exclamou: - É grande!
29/11/2006