Pássaros Feridos

Cada músculo do meu corpo protestava inutilmente pela dor que se espalhava por todo meu corpo, eu poderia jurar que até as pontas do meu cabelo doía miseravelmente. O treinamento nos últimos meses se intensificara de forma quase desumana algumas desistiram e duas garotas vieram a óbito... Na semana seguinte seriam eliminadas as mais fracas, temia ser uma delas, era do conhecimento geral que eu não era muito forte e de certa forma era frágil como nenhuma ali, as que fossem eliminadas seriam consideradas guerreiras de classe baixa, algo extremamente humilhante, minhas ancestrais se envergonhariam de mim se isso acontece, eu certamente não ia querer ser mãe. Um gosto amargo em minha boca e o estomago a dar voltas, nenhum otimismo eu tinha para me agarrar.

Tivemos os dias livres antes da seleção, dormi como nunca, sem sonhos.

Quando chegou o dia estávamos todas nervosas éramos mais de duzentas meninas de idades variadas, estávamos em fila frente a uma tenda montada para o pré exame uma a uma entravamos para o teste, quando chegou minha vez, entrei e me deparei com três lindas mulheres vestidas com longos vestido negros com detalhes prata:

- Sente-se criança. – disse a primeira mulher me indicando o tapete oval me sentei e fitei o chão.

- Faremos algumas perguntas somente, esqueça o que disseram sobre uma seção de tortura, essa é apenas a primeira fase dos testes a maioria passa. – acrescentou uma segunda mulher gentil como poucas seriam.

- Suponhamos, que uma guerreira em missão seja sua parceira ela é ferida, não há nada que possa ser feito para ajudá-la, sua agonia porém não passará antes de sua morte. O que pode fazer? – indagou a terceira mulher com seriedade.

- Se sua morte é inevitável, o aceitável seria terminar ali com sua vida... No entanto eu não faria isso! – disse rapidamente.

- Ora veja, então a deixaria sofrer inutilmente, grande parceira é, espero que nunca seja parceira de minha filha. – disse a primeira mulher num tom depreciativo que me fez encolher no meu canto.

- O que faria então? – perguntou a terceira mulher de modo maternal.

- Tiraria sua consciência, ela nada sentiria. – eu disse olhando em seus olhos.

- Como faria isso? – perguntou a terceira mulher.

- Existem muitas formas, fazê-la beber uma emulsão de ervas, pontos de pressão, ou mesmo, uma pancada na cabeça.

- Certo, então diga com sinceridade, o homem é superior a mulher, a mulher é superior ao homem?

- Somos diferentes...

- Por que os homens são mais fortes? – inquiriu uma das mulheres não sei qual.

- Porque as mulheres são mais resistentes. – nem pensei no que dizer apenas disse.

- Fique de pé. – levantei desajeitada, desejando que não notassem minha falta de coordenação.

Uma delas aproximou-se de mim e amarrou a minha cintura uma faixa de seda verde logo após tirar a faixa violeta da minha cintura. Fiquei atenta, não sabia o que isso queria dizer.

- Muito bem, passou por essa etapa, por enquanto não será classificada como guerreira de classe baixa. – me permiti o luxo de respirar.

Quando sai da tenda vi um grupo de meninas afastado estavam triste pelo que percebi, logo descobri que elas não passaram nem pela primeira eliminatória eram pouco mais de cinqüenta. Seriam sentinelas, era honroso de certo modo, mas não havia glória.

A segunda etapa foi para minha surpresa mais perguntas, mas, além disso, nos fizeram beber uma espécie de chá de sabor desagradável. Ao por do sol senti uma dor incomoda, algumas choravam de dor. O antídoto foi oferecido a quem desistisse. Lógico que não desisti, aquela nem de longe era a maior dor que senti.

Poucas foram eliminadas com isso, afinal já havíamos nos habituado a dor, sabíamos que ela era amiga não inimiga, a prova cabal de que estávamos vivas.

No dia seguinte seguiram os testes em todos perguntas eram feitas, por vezes tínhamos que fazer algo doloroso. Houve um teste de armas espadas, cajados, arco e flecha, todas fomos testadas nisso, me sai bem em arco e flecha, com espada não fiz feio, com cajado não passei vergonha. Passei pelos primeiros sete testes. Isso era bom, estava segura agora, poderia não fazer parte da elite ao final, mas certamente não seria uma guerreira de classe baixa, a partir do quinto teste esse perigo deixou de existe. Agora podia pensar na possibilidade de ser mãe, sem ter pavor de causar vergonha a minha filha, minhas ancestrais deviam estar menos decepcionadas.

Mais três testes foram feitos, passei por todos, agora eu acreditava em milagres, pois era uma guerreira da elite. Restavam mais dois testes, era tudo muito surreal.

Os testes foram feitos e passei em ambos, queimei tanto incenso que fiquei embriagada. Era delicioso pensar que eu era uma amazona, respeitável como poucas, agora querendo ou não teriam que tratar-me como gente. Lamentável ter tido que passar por tantas coisas ruins só pra conquistar um direito inerente ao ser humano...

Nenhuma de nós tinha uma função designada, as que foram eliminadas no começo seriam sentinelas e guardas. Teríamos caçadoras e mercenárias, talvez eu fosse algo do tipo, a ideia não era de todo desagradável. Um novo treinamento seria ministrado, dentro de um ano, teríamos aprendido bastante sobre medicina e afins.

Demos uma grande festa, onde tosas até mesmo as que não passaram pelos testes comemoramos, a rainha falou a nós sobre como cada uma que estava ali era importante, como era preciosa e querida, sabíamos que aquilo que ela dizia não era apenas um discurso animador, era a verdade, todas daríamos de bom grado a vida para proteger a outra independente da função que exercêssemos, nos amávamos, esse amor foi cultivado em nós desde o ventre de nossas mães.

Lágrimas de alegria corriam livremente pelo rosto de algumas, pode ser imaginação, mas parecia haver um brilho novo em cada uma, mais vida em seus sorrisos.

Uma nova fase se iniciava em nossas vidas.

O cântico ressoou entre nós:

As deusas sorriem a essas crianças

Recolhem suas lágrimas para derramar nelas sua benção

A nova geração de guerreiras se levanta

Tudo será novo

Seu esforço não em vão

A luz banhará suas conquista

Envolta em glória serão

Até o dia em que adormecerem e entrarem com honra no descanso sagrado

O silêncio era palpável, poderia apostar que algumas tinham medo de respirar e quebrar o encanto do momento.

Algumas estavam aos pares, seguravam de maneira tímida a mão de outra garota. A aliança feita entre elas era eterna, uma promessa de fidelidade e amor, cuidariam e protegeriam uma a outra pelo tempo que vivessem, os homens de maneira maldosa classificavam-nas como aberrações, pois muitas delas jamais conheceriam um homem intimamente, porém seus relacionamentos de forma alguma era imoral, na maioria das vezes o contato físico quase inexistia, mas é verdade que muitas delas se inflamavam em paixão.

Sinceramente eu ansiava por fazer essa aliança um dia, havia alguém com quem desejava firmar tal aliança, era uma bela jovem de olhos expressivos num tom peculiar de verde esmeralda, olhos que jamais vi igual, ela era gentil e delicada, era alta e de porte esguio seus longos cabelos iam a sua cintura em um tom acobreado ímpar, mas era um sonho apenas uma ilusão, nunca olharia para mim com interesse, poucas vezes nos falamos e em todas ela mal me olhou. Algumas corajosas guerreiras propuseram aliança a ela, mas foram recusadas, gostaria de ter essa coragem, quem sabe sua recusa fosse menos dolorosa do que a expectativa de que um dia mesmo que por um breve momento por ela sentisse afeto, nem mesmo em sonhos me permitia mais que isso, pelo que eu sabia, ela já demonstrou interesse por certa moça, que era bela como poucos e uma guerreira tão boa que era constrangedor me comparar a ela, na festa estava presente, por breves momentos dançou em comemoração as novas irmãs que acolheria, nossos olhares se cruzaram, mas não consegui sustentar seu olhar.

De maneira nenhuma eu sou tímida. Difícil explicar, não sou apaixonada por ela nem nada assim por Roxane, era uma admiração profunda que se confundia com mais alguns sentimentos. No meio de tantas que a olhavam devo ter passado despercebida, desse jeito me sentia mais confortável, se ela desconhecesse o que sinto seria incapaz de me rejeitar.

- Evelyn? – assustei-me com a voz de veludo a dizer meu nome.

- Sim. – ergui o olhar me deparando com Roxane, dessa vez a encarei, seria vergonhoso desviar o olhar.

- Conseguiu integrar a elite, deveria estar mais alegre... – disse com um tanto de indignação que desconhecia o motivo.

- Estou alegre, só falta algo, apenas isso... – respondi rapidamente.

- Ora, o que te falta?

- Nada que esteja a meu alcance.

- Tudo está a nosso alcance, talvez não tenha esticado o braço o suficiente para pegar o que quer. – disse como se explicasse a uma criança a razão da morte de um pássaro ferido. Fechei minhas mãos em punho, qual seria a reação dela a descobrir que tudo que eu queria era estar perto dela, nada mais. Eu fitava o chão, senti sua mão erguer meu queixo fazendo com que eu a encarasse – Tem belos olhos Eve, nem posso imaginar o que quer tanto e acha inalcançável.

- Bem... Ah... Acho que vou dançar! – disse eu com vontade de fugir dali, antes que me entregasse.

A melodia das flautas tamborins e harpas e réquiens era envolvente. Juntei-me a outras e me pus a dançar, o ritmo fluía em mim, quando menos esperava já não controlava meus movimentos meu corpo dançava sozinho. Meus olhos automaticamente se fecharam o tempo deixou de existir. Quando a música cessou abri os olhos e me deparei com Roxane, com uma expressão indefinível em seu rosto, talvez me achasse muito estranha. Logo fui a minha tenda, quando acendi a lanterna vi um embrulho prata em minha cama o peguei pensando que alguém errara a entrega, quando o abri dentro um tecido fino se achava estava bordado com lindas flores carmesim o tecido era verde, num tom conhecido meu, junto um papel nele estava escrito:

“Princípio”

Fiquei inquieta o que aquilo significava? Logo desisti de pensar no assunto e me atirei na cama agarrada ao tecido. Quando acordei o almoço estava servido na mesa no canto da tenda, realmente estava cansada. Logo que me alimentei tomei um longo banho e pela primeira vez usei a veste de guerreira ao invés da de aprendiz.

Quando sai da tenda vi um grupo de mulheres em volta dela, Roxana. Ela já deveria ter partido, afinal eu e as outras ficaríamos ali por um mês, mas fiquei sabendo que ela seria uma das responsáveis por nossa nova fase de treinamento, seria difícil ficar perto dela todo esse período e dissimular uma indiferença inexistente.

Continua...

Alexandra Peccla
Enviado por Alexandra Peccla em 03/12/2011
Código do texto: T3369807
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