Em algum lugar do tempo
Todos se recordavam de algum momento inesquecível em suas vidas. "Eu não esqueço que o pai colocava jornal nos pés para não molha-los pela interminável garoa quando no começo da noite, ia com sapatos furados para debaixo dos motores de ônibus da CMTC", meu irmão dizia, (lembro-me também brother, como um borrão se apagando, mas me lembro).
O que me recordo com mais doçura são aqueles poucos cafés da manhã que tomávamos juntos, aos sábados, quando todos se levantavam juntos, por alguma razão, irmos ao judô talvez, ou a uma "festa" no clube dos condutores. Havia fartura, lembro-me das idas e vindas à cozinha de minha mãe com um prato na mão, pães assados formavam um torre cheirosa de cor amarelo manteiga, assados no ponto exato, que só uma boa mãe pode precisar o instante de sua saída da frigideira. Café, leite, queijo, bolo de fubá, bolacha doce, bolacha salgada, mais manteiga, mais requiejão, seguíamos reunidos harmoniosamente, meu pai ainda "o provedor", minha mãe uma robusta mulher de trinta anos o del rey prá lá e prá cá.
É uma memória desbotada apenas, não consigo ir além, saltando pelos anos vejo os semáforos se abrindo e devo estar a caminho de casa, eu dirijo um gol verde escuro e minha doce esposa me espera, enquanto canta louvores à Deus com um bebezinho no colo, nosso filho, ainda um pedacinho de homem, nunca chorava estridente como outras crianças, um observador desde essa época. Minha esposinha era loira, seguramente me amava, devotava-me um sentimento materno e aconchegante - dou-lhe um beijo nos lábios e na cabecinha de meu filho. A cena se encerra neste ato e por algum tempo, um tempo tão curto como são nossos dias diante da Eternidade, nos amamos como uma jovem família cristã, em algum feixe de eternidade essa cena subexiste e isso é tudo que quero lembrar.