Loucura (EC)

 

Há momentos em que penso que vou ficar louca. Ou que já estou...

Os ouvidos ficam zumbindo, e a cabeça parece que vai explodir, de tanto barulho em volta de mim.

Tento me concentrar no texto, mas eles não deixam. Acho que adivinham que preciso de sossego, de silêncio, para escrever. E é aí que mais me atormentam.

Perco as estribeiras, e grito mais do que eles. E só o que consigo é ficar rouca. Eles se divertem com os meus gritos, e pulam, feito uns demônios. Todos à minha roda, começam a brigar entre si, só para me infernizar mais ainda.

Olho para eles, com olhos esgazeados. Tampo os ouvidos com as mãos, mas não adianta. Os seus uivos atravessam os meus ossos, e batem fundo nos tímpanos que estremecem de dor.

O que querem eles? Ja não comeram? Estarão ainda com fome?

Tento expulsá-los de perto de mim. Em vão. Quantos mais eu enxoto para longe, mais aparecem. Estou rodeada deles, não tenho escapatória. Já me cercaram, são muitos... eles me fitam com olhos brilhantes, interrogativos.

O que estarão pensando? O que querem, chamando assim a minha atenção? Por que me perseguem?

Não posso dar um passo sem que eles me sigam. Não sou mais dona do meu espaço, nem do meu tempo, nem da minha vida.

Agora eu sou deles...

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Parece que sossegaram. Está cada um para seu lado, dormindo. Finalmente, um pouco de silêncio...

Os meus noventa vira-latas me deixaram em paz. Fui trocada pelos braços de Morfeu. Cada cão, entregue aos seus sonhos, parece agora um anjinho, enrolado em sua caminha, e eu posso sonhar também... sonho sonhos impossíveis, em que os vejo felizes, cada qual com a sua família. Imagino gente boa chegando, escolhendo um cãozinho para levar, para cuidar, para ninar...

Mas são apenas sonhos! Ninguém vem, ninguém quer adotar um vira-latinha sem uma mão, sem um olho, sem beleza, sem pedigree. As pessoas querem animais como símbolo de status, e os escolhem entre os cães da moda, as raças que dão ibope. Não se lembram essas pessoas que elas mesmas são fruto de uma mistura de raças as mais diversas, de tonalidades diferentes e origens várias.

E a minha loucura continua. E amanhã, tudo recomeça: o barulho, a confusão, o trabalho, o sofrimento por não poder acudir a todos que vejo pelas ruas, perambulando a esmo, com o olhar perdido de quem se esconde dentro de si para fugir à perversa realidade que os cerca.

Mas se isto é loucura, é melhor não ter razão!

 

A foto acima é meramente ilustrativa. Os meus cães ficam em um local mais arrumadinho mas, se juntássemos todos de uma vez, a impressão seria a mesma.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Se é loucura, então melhor não ter tazão
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Gy Emygdio
Enviado por Gy Emygdio em 02/12/2011
Reeditado em 02/12/2011
Código do texto: T3368122