Casca de cigarra
Estendi minha camisa sobre a grama e sentei. Uma arvore de caule grosso e rugoso me abrigava à sua sombra. Retirei da bolsa o livro de Alberto Caeiro e li:
"Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo de natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca ama o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é o amor..."
Parei e percebi o que me rodeia: árvores, gramas, sombras. O vento que passa faz com que os galhos e as folhas se manifestem. Ao longe ouço alguém dizer à sua amada: bem-te-vi, e as andorinhas voam contente nesta sinfonia. Ouço, ainda, soberana detre todos os sons, a cigarra. Solitária e sem muitos acordes - que me faz lembrar do Santo Agostinho quando dizia que cantar é próprio de quem ama.
Cigarra apaixonada.
Apaixonada pela vida que se despede, como a esposa do cântico sagrado que suspirava: "dizei que estou doente de amor!" Doença crônica e fatal.
Canta porque ama e ama até morrer.
Morre de amor.