O VESTIDO DE MARISA

A cor, amarelo glorioso, chamou a atenção do mundo fation. O povão, nem percebeu. O vestido de Marisa fez sucesso só entre convidados especiais, coisa de pouca gente, mas uma baita fatia do PIB desçe phaiz. Dona Herda, ex-censora, que repara em tudo, um cacoete adquirido quando ainda desfigurava textos, logo notou o que ninguém percebeu, pela televisão. O vestido de Marisa é todo bordado. Melhor dizendo, é coberto de flores de renda. São mil e 200 camélias cobrindo o modelito, feitas por 25 mulheres rendeiras. Elas são da Associação das Rendeiras dos Morros de Mariana, da pequena cidade de Ilha Grande – 9 mil habitantes, com IDH 0,561 - no litoral do Piauí, - que é apenas 0,5% do PIB do Brasil - bem expremidinha entre o Maranhão e o Ceará.

Pena que as camélias rendadas e pregadas sobre o tecido amarelão não puderam ser vistas a distância.Dona Herda ouviu de experts no assunto que as camélias de renda eram para ser apreciadas de perto, “quando dariam um efeito de volume marcando o relevo com discreto charme”. “Ah, bom!” – exclamou a ex - censora.

As 25 artesãs de Ilha Grande do Piauí, depois de 15 dias de trabalho receberam 2 mil reais; cada uma ficou com 85 reais. Uma fortuna, pois ganharam muito mais, trabalhando a metade dos dias não trabalhados pelos Bolsistas de Família. A única e até insignificante diferença é que os Bolsistas de Família “desçe phaiz” ganham sem trabalhar e já formam uma legião de desocupados sadios sentados à sombra “desçe Governo”, coçando o dedão do pé.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, estima que quase 4 bilhões de pessoas ( dos 6 bilhões do total sobre a Terra) sobrevivam com menos de 2 dólares por dia, conseguidos das mais diversas maneiras, onde se destacam programas de ajuda do tipo Bolsa Família.

Dona Herda não soube dizer quem pagou as rendeiras do Piauí nem com que dinheiro. Ela não está preocupada com isso porque seu marido, suplente de Deputado Federal, acaba de assumir o mandato por apenas 22 dias, pelos quais receberá 15 mil reais, somente de uma tal de verba indenizatória, sem trabalhar um só dia, já que o Congresso da República está em recesso.

Voltando ao vestido de Marisa, que é o que de fato interessa, alguém pensou, durante os aprontes em seu vasto aposento, para dar um toque mais populista à cena de reemposse do Presidente da República, que colocou, ele mesmo, a risível Faixa Presidencial (outros já colocaram coroas em suas próprias cabeças) contornar o vestido amarelo glorioso com um cinto azul cravejado de 27 estrelinhas de brilhante. E, no pescoço de Marisa, um sutil lencinho verde de pura seda. Lástima que desistiram, pois Marisa se tornaria a bandeira viva e ambulante “desçe pahiz.”

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 04/01/2007
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