Surpresa!
Gosto de festas-surpresa, e acho que todo mundo merece uma de vez em quando - apesar de eu mesmo ainda não ter tido a minha. Sou uma pessoa introvertida, e que nem sempre tem facilidade em mostrar o que sente. Uso então os aniversários como desculpa. É a ocasião em que são legítimas todas as manifestações de ternura. Eu, tantas vezes desajeitado e sem iniciativa, já fui capaz de liderar grupos e organizar vaquinhas apenas para que alguém tivesse uma surpresa boa no aniversário.
Lembro de algumas surpresas feitas ao meu avô. Quando completou 70 anos, por exemplo. Era domingo e ele passaria na casa da minha tia para que fossem todos juntos almoçar em uma festa de igreja - isso era o que ele pensava. Quando meu avô chegou e abriu a porta da garagem, deu de cara com toda a família cantando parabéns, e se divertindo com o seu susto, diante de uma mesa já cheia de comilanças. Quando ele e minha vó fizeram Bodas de Ouro, fizemos algo parecido numa churrascaria.
A surpresa também é uma oportunidade para que possamos nos divertir à beça. Ficamos ansiosos, porque tudo precisa ser feito sem que o aniversariante suspeite de nada. O menor deslize, uma ligação na hora errada, um movimento suspeito, uma frase a mais, e então tudo estará perdido. É preciso discrição. E muito mais ainda para quem não costuma mentir: tudo precisa ser feito sorrateiramente para que não sejamos questionados e precisemos revelar alguma parte da verdade.
Pra isso, algumas pessoas desempenham a função estratégica de distrair o aniversariante. É alguém que de repente cria um programa qualquer, insiste na necessidade de ir a algum lugar, e então arrasta a pessoa junto com ela - tudo para que nós possamos fazer os preparativos finais da surpresa. Há casos em que a distração tem que acontecer apenas na base da conversa. É preciso então aproveitar toda brecha e tentar empolgar o aniversariante em algum assunto, enquanto a surpresa não chega.
Enquanto isso, nós, os que sabemos de tudo, estamos tensos, nervosos. Já estamos com o presente. Agora, todos assinam um cartão. Acabou de chegar a pessoa que faltava chegar. Quase tudo pronto. Tentamos fazer algum silêncio, mas estamos tão excitados com a nossa traquinagem que rimos de qualquer coisa. Estamos demorando tanto que não sabemos os apuros que nosso cúmplice pode estar passando para conseguir distrair o aniversariante. E então, finalmente, caminhamos até ele.
Nessa hora, o salto alto é um problema. Convém não usar. Faz barulho. Se alguém encostar ou derrubar algo no meio do caminho, perderemos tudo. É preciso caminhar com muita cautela. Segurar a respiração. E quando todos estiverem diante da porta, a porta que nos separa do aniversariante, repentinamente começaremos a cantar parabéns, e então entraremos, um a um, deixando a pessoa mais espantada ao ver cada novo rosto que surge, todos participantes de uma saudável farsa.
O que se passa a seguir é o de sempre, os mesmos abraços e cumprimentos de todos os aniversários, mas devidamente aumentados em intensidade por conta da surpresa. Vem a seguir outro momento divertido, em que todos os segredos se revelam. Todos os gestos, todas as saídas de casa, todas as ligações, enfim, todos os disfarces são enfim desfeitos, e o aniversariante pode contar também as suas desconfianças, e tudo que achou de estranho nesse dia, nesse dia em que foi tão bom e tão seu.