O Padrinho Zé Antônio.

          Sou nordestino, que muita gente chama de “Oreia seca”, nunca na frente, talvez porque esqueceram a coragem na hora que foram usar a “casinha” tá me entendendo?
Bom mas isto fica para outra hora.
Nasci como a maioria dos homens de minha família, com dois ovos no meio das pernas sabe?
Apanhar, até pode, correr da briga, jamais.
Embora esteja sabendo de uns primos que foram pro sul, estes descambaram, para que rumo não sei.
Mas eu precisava de um padrinho, e meu pai escolheu um amigo, tal de Zé Antonio.
Tipo gozador, antipático, nunca gostei dele, aproveitador, todas as vezes que vinha em casa ficava se engraçando com minhas irmãs.
Eu sempre andava descalço de calção e sem camisa, mas naquele dia ele exagerou.
Acho que tinha tomado algumas do garrafão com meu pai depois o deixou indo para casa.
Ao montar seu cavalo muito bonito e grande, com um chicote enorme na mão.
Quis brincar e estalou o chicote em minhas costas:
- Isto é para você ficar esperto moleque.
Foi uma risada geral, ele foi embora. Virei o palhaço do dia. Eu o segui e vim parar em uma venda, pequeno armazém da época que também servia bebidas provavelmente para tomar outra. Encostei-me ao seu cavalo, cortei os cabos do estribo até quase apará-los, o mesmo fazendo com as rédeas e com a barrigueira, o suporte dos arreios. 
Corri para as margens do rio, pois era seu caminho para casa, ali faríamos uma brincadeirinha como ele gostava.
Duas ou três horas depois veio dormitando sobre o cavalo, com um galho seco espantei o bicho. Mesmo ele empinando o padrinho era bom cavaleiro e não cairia fácil. Mas eu não havia facilitado nada e se romperam todos os apoios que ele tinha: rédeas, arreio, e ele veio ao solo numa queda brutal. Deve ter quebrado alguns ossos porque ficou no chão gemendo, gemeu mais quando peguei seu revolver e sua faca. 
- Nunca corri de uma briga fala seu nome e porque estou pagando?
Descobri o rosto:
- Você moleque amanhã vais ver.
- Eu sim, você não. - Pulei nele abraçando-o e vazei seus olhos.
Em terra de homem não se faz vergonha a ninguém.
- Sou teu padrinho,
- Mais um motivo, a lambada parou de doer agora, como eu já ouvi falar em milagre e tem um milagreiro por aí, um tal de padim Ciço, pode ser que você volte a enxergar então vou tirar teu par de Oreia. De hoje em diante meu nome vai ser Orea Seca, porque até meu pai ou meus irmãos se me aporrinhá, tiro as orea deles. 
No outro dia encontraram Zé Antonio, louquinho da silva, mordido de Tiú, de Gato do Mato, de Rato e sem falar coisa com coisa, falando a padim Ciço Romão em Orea Seca e curiosamente estava com os olhos vazados, sem as orelhas, sem as armas e o cavalo.

Naquele sertão agreste,  homem nasce honesto. Mas de repente, alguém por uma brincadeira infeliz, se é que é brincadeira acaba de fabricar um bandido. 
“Orea Seca” imperou por mais de vinte anos no agreste, morreu jovem, acho que não tinha trinta e cinco anos. Em seu pescoço foi encontrado o macabro colar com mais de duzentas orelhas secas (como o povo aumenta muito vamos dizer com várias orelhas secas).
Ninguém sabe de que morreu, sentado em uma pedra com o carabinote na mão, cheio de balas, dois revólveres a cinta também cheios, um punhal de pelo menos oito a nove polegadas, daqueles que todo nordestino conhece bem, um cofre papo de ema cheio de dinheiro, ouro e jóias.
Um homem que não temia a nada, nadica de nada, morreu com cara de estupor, parece que viu o cão.
Talvez seu padrinho tenha vindo lhe buscar.
Talvez os donos das oreas.
Talvez o padre Cícero.
Ou o próprio demo quem sabe...

Mistério...

Ofereço a meus amigos nordestinos,
Que não precisam de armas para
Mostrarem como são valentes.
Cuidam de suas famílias
de seus parentes
Se for preciso.
À estes heróis
Tiro meu chapéu caipira
Com muito respeito.

                                   OripêMachado.
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 28/11/2011
Reeditado em 29/11/2011
Código do texto: T3361931
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