Quando eu era pequeno, mais ou menos assim, minha mãe falava que eu era um negrinho muito lindo. Ela me abraçava e me beijava toda hora, era muito bom. 
Também tinha a moça da sopa. Sempre que eu passava pedindo roupas velhas, ela me chamava para entrar em sua casa. 
Era uma casa muito bonita e ela me dava sopa quentinha. Enquanto eu tomava sopa, ela me apalpava, beijava e dizia que eu era um negrinho muito lindo. 
Fui crescendo e minha mãe parou de me acarinhar, mas a moça da sopa não, até me beijava na boca.
Ela tinha duas irmãs ou amigas que também me faziam carinho. Falavam: "Volta amanhã que te dou uma maçã", e eu voltava, era muito bom.
Elas tinham a pele branquinha e lisinha. 
Às vezes me levavam ao quarto delas e falavam besteira.
Eu cresci, virei um negrão forte e alto, a moça da sopa, agora me chamava pelo nome.
Falava que eu era seu namorado, eu achava muito bom.
Dava-me camisa, calça, sapato, até dinheiro.
Deixei de vir de dia e comecei a freqüentar a casa da moça da sopa à noite.
Agora não era mais sopa, era comida com carne, guaraná.
As amigas dela também iam lá, a gente brincava de namorado e de lutar, eu gostava muito. Depois queriam que eu fosse a casa delas para namorar e eu ia.
A moça da sopa não gostou e ficou brava comigo. Eu disse que não ia mais, mas eu menti, gostava de brincar com as outras também. 
Fiquei tão grande que não podia entrar pela porta da frente, tinha que ser escondido e pelos fundos da casa. 
Outras moças souberam que eu brincava e queriam também. Agora eram minhas namoradas e toda noite ia a casa delas. Não dava para ir à casa de todas, então elas ficavam bravas comigo.
Um dia cheguei à casa da moça da sopa e todas estavam lá. Estavam nervosas e falaram que eu tinha que escolher.
- Não dá. - Eu disse - Gosto de todas.
Como não teve jeito acertaram que ficaria dividido, um dia para cada. Tava difícil, eu ficava cansado e às vezes não queria nem namorar.
Certo dia ao entrar numa casa de uma mulher casada o marido viu e chamou a policia.
Fui preso, mas falaram que deixariam ir embora se eu não falasse para ninguém. Na frente da cadeia estava cheio de gente, todas minhas namoradas. Até a filha do delegado era minha namorada. 
Mandaram-me para uma cadeia muito longe. Ninguém me visitava. 
Os outros presos me falaram que na cidade aconteceu um milagre. As mulheres fizeram promessa para S. Benedito e todas ficaram barrigudas. Nasceram um monte de negrinhos, todos muito lindos. Só faltava aparecer uma moça para dar a sopa também.



                                  OripêMachado
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Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 28/11/2011
Reeditado em 29/11/2011
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