A humanidade vai querer que tipo de alma?

Lá pelos anos de mil novecentos e lá vai cocadas, quando fazia a 4a. série do primário (assim se dividia o ensino fundamental, no meu tempo de criança), o livro didático em que eu estudava tinha uma história que falava que algum dia, alguém iria entrar em uma loja e comprar um coração, um par de pernas e sairia por ai de coração novo e andando com as pernas novas compradas por não sei quanto. Isso me deixava realmente assombrada; alguém compraria pernas, coração e outros órgãos... Cheguei a sonhar com pessoas que tinham comprado meu coração... Felizmente acordei a tempo de impedir a transação. O tempo andou, a vida passou e esqueci o livro e o sonho ou melhor o pesadelo.

Passado alguns poucos anos e depois de já saber que o Dr. Euryclídes de Jesus zerbini tinha realizado o primeiro transplante de coração do Brasil, ia eu caminhando, quando ao passar pelo Centro de Vivência da Universidade, local onde os artistas quase sempre se apresentavam para o público estudantil voltou-me a memória a lição do meu antigo livro.

Em pé, no centro da praça de eventos, um artista mimico fazia uma performance de uma mulher. Na cena um, ele em frente a um padre estava vestido (a) de noiva, cabelos louros e longos, olhos verdes, cílios longos, bunda grande, seios fartos... Na cena dois, já em um ambiente de quarto de hotel, em frente ao espelho, a noiva começa a se despir em quanto o noivo impaciente a chamava a todo momento - Vem benzinho, estou te esperando! - ela, a noiva começou tirando a longa cabeleira e ai apareceu o cabelo encaracolado e preto, depois a bunda postiça (e não é que o cara era uma tábua), a platéia ria a valer e assim foi a cada parte do corpo que mudava a turma se divertia, as risadas aumentavam. O noivo impaciente queria olhar a bela loira com quem tinha casado a toda hora, o que não era permitido por ela. Foi retirado os dentes e claro que faltavam alguns (na verdade, a tinta preta tinha ajudado o artista a esconder seus belos dentes, diga-se a favor do mesmo), depois os cílios e finalmente o que a gente pensava ou talvez só eu pensasse não acontecer o artista retirou seus belos olhos verdes e ai vi que ele era realmente moreno de olhos pretos.

O noivo apareceu e quando viu em que tinha se tornado sua bela noiva, disparou em uma corrida e com certeza a turma toda gargalhou a valer. Foi um verdadeiro delírio, lembro que os artistas voltaram a cena e os aplausos foram muitos. Grandes artistas aqueles dois rapazes. Ótimos mimicos.

Apesar de como todos os presentes também cair na gargalhada e achar tudo muito engraçado sai pensando como um autor pode ver tão longe no tempo e como pode falar com tanta propriedade do que vai acontecer algum dia.

Hoje vejo gente de olhos escuros comprando olhos verdes, azuis, cinza, vejo pessoas que não tem seios colocando mililitros e mililitros de silicone, toxina botulínica é colocada para mudar rosto e corpo e esconder marcas do tempo, peles e tudo o mais são mudadas ou colocadas por necessidade estética ou de saúde, sem exageros, eu penso que tudo é válido mesmo que seja só uma questão de querer ser mais bonita ou mesmo ser bonita, se alguém pode e tem dinheiro e quer ser mais bela tem mais é que fazer mesmo. Além do mais a ciência ajuda as pessoas que precisam, a viverem melhor e de forma mais digna, mesmo elas nao sendo milionárias.

A minha pergunta é: e a alma? Algum escritor já se atreveu a predizer que se pode mudar? Vamos ter daqui a alguns ou a muitos anos uma alma que possa ser revertida ou vendida ao bel prazer de alguém?

Minha pergunta maior: A humanidade vai querer que tipo de alma?

Arlete Araújo
Enviado por Arlete Araújo em 27/11/2011
Reeditado em 27/04/2012
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