Amizade além do virtual
Sou pessoa de poucos amigos. Pouquíssimos. E também não tenho convivência diária com eles. A vida não deixa. Cada um na sua, diria um compositor. Distantes, porém, inesquecíveis – um provável verso. Amor retomável a qualquer tempo da vida. Basta um reencontro inesperado, uma ligação na madrugada, um pedido de socorro. Quando um amigo liga e diz “precisamos conversar”, é porque ambos sabem que o momento de falar sobre chegou. Às vezes ele também não fala nada. De longe observa o momento certo de se aproximar. Porém, nunca, nunca mesmo, deixa o outro em paz, com a desculpa de que não queria ser ‘inconveniente’. Amigos convêm em qualquer situação.
Amizade tem conexão. Não essa propagada pelo Facebook, Orkut, Twitter e outras redes sociais que nem devo conhecer. Amigo é presença. Não é apenas ‘curtir’ a frase que você acabou de postar. É curtir a sua presença. É saber ler nas entrelinhas sua dor, seu grito, seu apelo. O silêncio de um amigo me incomoda. Quero-o perto de mim, alegre ou triste. Lamentavelmente, a tecnologia une e separa porque as pessoas acreditam verdadeiramente que o virtual pode substituir o real.
Quem me dera poder estar com meus amigos mais tempo. Talvez quem me lê agora diga: “ora, a sumida aqui é você””. É verdade. Às vezes tenho a impressão que posso perdê-los por omissão. Logo eu que tanto os prezo. Que tanto devo horas de desabafo, reflexões e aprendizado. Eu que não me conformo em abraçá-los tão pouco. Tenho-os espalhados pela casa, nos quadros, nos bibelôs, nos livros e cd´s presenteados em datas especiais ou não. Tenho-os ao meu alcance.
O amigo nem sempre está na hora e no lugar certo, já percebeu? Ele esquece seu aniversário, mas manda flores num dia comum. Não vai ao seu casamento, mas te acolhe na separação. Não sabe quando se conheceram, mas sabe o que fazer com você num dia triste. É a pessoa que diz o que ninguém tem coragem de dizer. Que guarda segredos. Nos leva para casa quando pressente um vexame. E briga, quando insistimos no que vai dar errado. O amigo se alegra no nosso sucesso e torce, de verdade, que encontremos novos caminhos e até mesmo outras amizades.
Um amigo me disse que depois de um certo tempo da vida não fazemos mais amizades, daí a importância de preservar as antigas. Outro, morando há pouco tempo em outro Estado, me telefona reclamando da dificuldade de estabelecer uma relação fora do local de trabalho. Está isolado numa selva de pedras. Digo que nosso problema é que somos sexagenários. Gostamos, desde cedo, de conviver com pessoas mais maduras e experientes, vindo daí esta ‘seletividade’ inconsciente que nos afasta das relações instantâneas e superficiais. Ele concorda e, resignado, diz que não vê a hora de rever os amigos na Capital Secreta.
É certo que entre amigos não deve haver cobranças. Sobra-nos pouco tempo para nós mesmos, que dirá para os outros? Mas, é bom que fiquemos atentos com as casualidades que invariavelmente nos aproxima ou nos separa de quem é importante para nós. Os amigos ficam quando todos vão embora.