UM VIÚVO E SUAS BOAS FILHAS
Foi por acaso que encontrei um amigo depois dele estar viúvo. Ele no meio a nossa conversa me disse: sabes, outro dia, chutei o pau da barraca em casa. “Se penso, logo existo”, como dizia René Descartes: estou vivo. Apenas viúvo e aposentado. Tu sabes sobre minhas filhas de como me tratam demasiadamente bem. Afinal, são minhas filhas e boas meninas. Mas às vezes, sinto falta de uma companheira. Pois na minha idade, o amor não bate mais de uma vez na porta. E esperar por mais aurora é castigo, é sempre sentir o sol acalentar dia a dia, o lado vazio do meu leito, isso me deixa infeliz.
Mas elas não conseguem me entender. Acham até, que irei vivenciar a maior decepção na minha vida. Mas como pode acontecer isso comigo! O que parece é mesmo coisas de mulheres. Mas mal elas sabem que a velhice não é o voo dos anos e sim a madrugada da sabedoria.
Além disso, estou extasiado de tantos telefonemas e recomendações com relação às minhas saídas e com os horários determinados pelos médicos, a tomar tantos remédios em horas certas.
Então, ontem resolvi dar uma trégua, sai para dar uma volta, não tomei remédio algum, desliguei o telefone móvel e nem deixei nenhum bilhete escrito para elas aonde iria.
Sai por aí, caminhando pela principal avenida, chegando à esquina da travessa mais movimentada do bairro, onde vende um saboroso tacacá (bebida típica dos paraenses de origem indígena) puxei um banquinho sentei e degustei. Ora, qual é o paraense que resiste no inverno a uma bebida quente, ainda mais com tucupi (liquido amarelado extraído da mandioca); jambú (verdura quando mascado faz tremer os lábios da boca) e os camarões graúdos vindo do mercado Ver-o-Peso, todos esses ingredientes boiando na cuia. Ninguém, claro resiste a essa tentação.
Mas se minhas filhas me vissem sentado, tomando tacacá, mais do que depressa me levariam para o pronto atendimento de saúde, porque os médicos me proibiram tais guloseimas.
Confesso, fiquei com receio pela extravagância, deixei passar alguns minutos e constatei que não passei mal. Entrementes, me senti jovem, capaz e levantei a cabeça, talvez, meus olhos brilharam, nem sei, só sei que falei baixinho e repetidamente, ainda sou um homem e decididamente vou sim, arrumar uma companheira. Esse eco voltou aos meus ouvidos. O gosto que isso me deu foi formidável.
Voltei para casa à noite. Vim depressa, não tanto, pedia tempo a mim mesmo para formular o pedido de cabeça, escolhendo as palavras certas, com prudência para elas não se sentirem machucadas. Afinal, são minhas filhas e sempre me trataram bem, tanto antes, como depois que sua mãe faleceu.
Quando coloquei os pés no mármore da batente da porta e entrei em casa. O clima era diferente, apenas o silêncio era cúmplice, as três estavam sentadas nas cadeiras da sala pensativas. De súbito, todos se aproximaram de mim e me beijaram no rosto, depois disseram: A falta que você fez hoje reluziu nossas almas para sempre, nos dando certeza que novamente serás feliz.
Como sendo um bom ouvinte, respondi ao meu amigo. Poxa! Suas filhas lhe deram um crédito, isso mostra como são maravilhosas, desejo a você repletas felicidades e depois nós se despedimos.