A música "Saudades da Amélia" é machista?
Dia desses vi na televisão um programa que homenageava o centenário do compositor e ator Mário Lago.
Em se tratando de Mário Lago, impossível não nos lembrarmos da música “Amélia”, que ele compôs em parceria com Ataulfo Alves.
Composta em 1942, a música é conhecida até hoje. Foi tachada de machista. De toda a mulher submissa à vontade do marido, quase escrava das tarefas do lar, dizia-se que era uma Amélia.
Os participantes do programa acima referido discordavam desse epíteto de machista aplicado à canção. Dizem que ela não é machista, mas canta a solidariedade.
Reflitamos sobre o assunto.
A canção nos mostra dois tipos de mulher: aquela que só pensa em luxo e riqueza, e aquela que não tem a menor vaidade. Mas, qual delas será a mulher de verdade?
Nos dias de hoje, alguém que só pense em luxo e riqueza, e que queira tudo o que vê, conforme diz a canção, seja mulher ou homem, recebe a classificação de consumista. O consumismo é um fato, já cantado em prosa e verso. Quem sofre desse mal quer comprar, possuir, seja lá o que for: da roupa da moda até a mansão de luxo, não esquecendo o carro do ano, o iate, a casa de campo, etc. Talvez por serem pessoas que não acreditem em seu valor pessoal e necessitem valorizar-se pela aparência, pela “casca”. Talvez sejam apenas influenciados pelo seu meio social. Ou talvez sejam egocêntricos, vazios, quem sabe?
O fato é que a mulher que, na canção, só pensava em luxo e riqueza, além de consumista, parece que desejava ter seus desejos satisfeitos pelo parceiro “provedor”. Pelo menos é o que sugere o lamento do, digamos, protagonista da letra musical.
E Amélia, a que era a mulher de verdade? Dela é dito que não tinha vaidade, numa sugestão de que se contentava com o que a vida lhe oferecia. E, se achava bonito não ter o que comer, era porque passava fome ao lado do companheiro. Nesta expressão “ao lado” é que encontramos a sugestão da solidariedade. A aceitação da vicissitude ocorre desde que junto com o companheiro, com ele dividindo alegrias e tristezas. Em nenhum momento a canção sugere escravidão, submissão, mas sim aceitação, o que é bem diferente.
Quero crer que os que defendem a música “Amélia’ como não sendo machista, mas sim louvor à solidariedade, têm razão. A crítica, se existe, é a alguém que espera que o outro lhe proporcione tudo: do amor ao luxo. E o louvor se dirige a quem ama pelo que o outro é, não pelo que este lhe possa dar.
Quanto aos submissos de plantão, sejam eles de que sexo forem, sinto muito. Não são amélias, não. São apenas pessoas que não encontraram a força, a coragem, a ousadia, de livrar-se da submissão.