Noites de Infância
LEMBRANÇAS
Por falar em lembranças, meu amigo, tenho muitas. Aliás, ultimamente ando muito nostálgico. Ainda há pouco, estava me recordando de uma época em que ainda criança, de pouco mais de sete anos, quando nos mudamos para aquela pequena cidade do interior; em outro estado. À primeira vista uma cidade estranha, com pessoas estranhas, um estilo de vida completamente diferente ao que estávamos acostumados. Meus pais, no início, sofreram muito com a diferença de sistema de vida, maneiras de falar, de viver, ou mesmo o tipo de alimentação. Meus irmãos e eu (éramos quatro quando chegamos; cinco dali a dois meses) não sentimos tanto a mudança; toda criança gosta de novidades. Logo fizemos amizades. Era uma farra. Com o tempo meus pais também se adaptaram e se enraizaram. Hoje são como filhos do local.
Haviamos saído de um lugar bem estruturado, sem muito futuro para nossa família, é verdade, mas com energia elétrica, saneamento, tudo que uma pessoa civilizada precisava para viver, e fomos para um lugar promissor, porém sem muitos recursos básicos naquele momento.
Era costume naquela época, os vizinhos se visitarem, para colocar a conversa em dia, formando uma verdadeira malha de informação. O que se fazia aqui, em pouco tempo a cidade inteira estava a par da situação, e às vezes, algumas pessoas com palpites ou soluções pra determinado problema. Todos se conheciam.
Ao princípio da noite, todos de banho tomado, após o jantar, meu pai ninava os mais novos com aquele vozeirão, não com cantigas infantis (essas, era minha mãe que cantava), mas canções populares em sua época de juventude; não importava, aquelas canções na voz de meu pai dava segurança a todos nós. Sabíamos que estávamos protegidos. Depois, sentávamos à frente da casa para conversarmos. Às vezes um ou outro vizinho chegava para participar das conversas. Havia assunto para todos os gostos. Política, geografia, casos, estórias fantásticas que meu pai inventava, estórias infantis e de terror. Às vezes surgia assuntos sobre astronomia, aproveitando o céu estrelado, onde se ia identificando as constelações:
- Ali está Cruzeiro do Sul. Aquelas outras três são chamadas de Três Marias...
Observávamos por longo tempo o céu. Nós, crianças, o vasculhávamos à procura de pontos luminosos que se moviam.
- Seria um avião? Um satélite lançado pelo homem, refletindo a luz do sol?
Em cidades grandes com iluminação artificial não se consegue vê-los.
Por alguns anos, esse ritual era sagrado. Sentar à frente da casa e conversar expondo todos os problemas encontrados durante o dia e procurando solucioná-los.
Com o tempo, implantaram saneamento básico.
- É o progresso chegando!
Alguns anos depois, foi implantado a rede de energia elétrica. Ninguém mais ficaria no escuro. A moda, agora, não era mais ouvir rádio, e sim a televisão.
Anoitece e todos vão para a frente daquela pequena caixa falante e faiscante, onde ficamos como que hipnotizados. Ninguém pisca, ninguém conversa. Ninguém sabe de mais nada. Perdeu-se o interesse pelo conjunto, pela união.
O homem progride tecnologicamente mas se esquece de progredir socialmente.