O amor tímido



 
                        Todo jovem sente o estalo do amor. Esta emoção maravilhosa vem tão forte que  o jovem chega a ouvir o estalo.           
                        E aí desorganiza tudo. Ficamos sem ar, o  pensamento estaciona na amada e não tem  doutor que dê jeito. O pensamento emperra nela.   Provoca suor frio, pode dar febre, tonteira. Instala-se o caos. E neguinho só pensa em se atracar com a amada, só sossega grudado nela.
                        Não sei quantas vezes dá esse estalo na flor quando desabrocha. Mas posso garantir que no ser humano esse estalo se dá várias vezes durante a vida. Às vezes  o amor é tão profundo que, de início, não percebemos. Ele vem lá do fundo da alma. E acaba  provocando  o mesmo desassossego do jovem.  
                        Uma pena que na idade madura os preconceitos e as “normas” da sociedade acabem por sufocar  muitos  amores que seriam maravilhosos.
                        E o bom é que o amor tem suas gradações: tem o amor sereno, meio mineiro. O amor ousado, quente, meio devasso, tipo carioca. O amor tímido, que nunca se declara. Não sei a naturalidade desse amor, talvez amor caipira.  Recordo-me que acompanhei um amor tímido. O cara se chamava Freitas Pinto. Apesar do Pinto no nome, nunca avançou o sinal. Sei bem desse caso, pois foi comentadíssimo lá na minha casa, quando eu era adolescente. O Freitas Pinto apaixonou-se pela minha avó, que era viúva, ainda bem nova.  Ela dizia que nunca mais se casaria, pois não teve o seu casamento lá muito feliz. Ela era voluntariosa e quando decidia uma coisa não mudava de ideia de jeito nenhum. O Freitas Pinto deu azar: foi apaixonar-se logo por uma pessoa assim e com o agravante de ser tímido. O pobre do homem levou trinta anos frequentando a casa da vovó, que o recebia muito bem, com uma educação refinada. Conversavam, conversavam e tomavam chá com biscoitos. Praticamente, todas as noites. E ele ficava quietinho bem do lado da vovó, praticamente em êxtase!  Às vezes, eu dizia pro papai: "hoje, ele se declara, aposto! " Mas nunca se declarou, faltou coragem... A vovó não estava nem aí para a paixão do Freitas Pinto, não sentia nada. Quer dizer: sentia uma grande amizade, como ela me disse muitas vezes.
                        Hoje, eu calculo como deve ter sido sofrido para o Freitas Pinto esse amor.  Eu, no lugar dele, teria me desesperado, teria brigado, xingado a velha, teria feito o diabo. A coisa que sempre me dava  a  maior raiva era  eu estar interessado num bom amor e a mulher vir com essa conversinha de  amizade. Sinceramente, eu xingo logo. Tô certo, mermão? Bem, mas acho que o leitor amigo e a leitora amiga devem estar interessados como terminou o caso Freitas Pinto. Lamento dizer que ficou nessa lenga-lenga, chá e biscoito pra cá, chá e biscoito pra lá e ...   Isso mesmo, o Freitas Pinto acabou morrendo.
                        A  família toda foi ao enterro dele, inclusive a vovó. Papai fez um belo discurso na lápide do Freitas Pinto e insinuou, o que todo mundo sabia, o grande amor do Freitas Pinto pela vovó.  E chegou até piscar o olho, com malícia. Já sei o que estão querendo perguntar: -  e a reação da sua avó, depois do discurso?  Respondo: - nenhuma, me pediu para chamar um táxi, pois já estava quase na hora de tomar o chazinho dela!