CIRCO DOS HORRORES
Noite ruim,novamente a ação de Satã em dia Santo
Triste sina dos deserdados da rua do fuxico, dos cortiços do Canindé. Gente que demonstra no rosto e nas atitudes o endurecimento dos sentimentos, a frieza da alma, resignados pela má sorte, natureza sofrida, que vegeta, vivendo por viver, sem luz e sem esperança. Mas, com seus momentos de descontração. Véspera de Natal. Muitos se felicitando, gente que entra e gente que sai daquela padaria, crianças brincando na calçada, crianças ao pé de adultos que se acotovelam nos balcões conversando e bebendo, bebendo...
E o Demônio se manifesta.
Repentinamente entra um homem relativamente bem vestido, vai até um grupo de pessoas, chama um deles que se afasta do grupo junto com seu pequeno e sorridente pimpolho.
Iniciam uma discussão. Uma faca de cozinha, oito polegadas brilha na luz. Correria, gritaria. Olha a faca! Olha a faca!
E o inferno baixa na esquina do cochicho,do fuxico.
A primeira estocada é seguida de atitudes defensivas que se revelam inócuas, Nova estocada e isto se repete por cinco vezes.
O agressor sai tranqüilamente, toma um táxi que o espera e desaparece na noite paulistana. O agredido cruza os braços sobre o peito e num fio de voz, com expressão de incredulidade lamenta a desgraça. Seu pequeno menino olha tudo de olhos arregalados. O homem anda de um lado a outro com olhos que suplicam por socorro. As pessoas se afastam, o sangue escorre de seu peito para as pernas e para o chão, marcando seus rastros no aflitivo vai e vem, depois se ajoelha e se deixa cair com o rosto no chão, a tingir-se no próprio sangue. Na porta a multidão de curiosos se espreme para assistir aquela dantesca cena.
Sim, de um degredado filho de Eva a cumprir seu destino e de uma criança iniciando sua “Via crucis” talvez pelos mesmos caminhos do pai que agora se esvai em sangue no amaldiçoado jardim de Lúcifer.
Começam as apostas, suposições, opiniões dadas a boca miúda, diz-que-diz e o homem não recebe socorro. Chega a polícia e o agredido é jogado na viatura, que se afasta dali em alta velocidade, mais parecendo uma equipe coletora de detritos.
Sem testemunhas embora todos se conheçam. Convenientemente os três macacos grassam entre os habitantes deste purgatório, o macaco surdo, o mudo e o cego.
A vida continua. Tudo esquecido, tudo abafado, a utopia como um caudaloso rio volta a regar o campo dos sonhos desta gente abandonada à própria sorte na maior cidade da América.
Fiat Lux ! ( Genesis 1.3 )