230km num mês - Parte 2

Estando tudo de conformidade com o contrato que nos foi apresentado, feita a devida inspeção de todos os bens que ficariam sob nossa responsabilidade e custódia, finalmente nos vimos a sós no apartamento. Ufa, já não era sem tempo! Afinal de contas, estávamos realmente exaustos da viagem, famintos e sonolentos. Nossa intenção, após um banho reconfortnte, era sair por aí e estacionar no restaurante mais próximo, voltando para dormir logo após. Não contávamos, porém, com as brincadeiras de mau gosto do destino, e como tudo que de súbito vem causa, por vezes, amargura e dissabor, ou alegria e felicidade, algo nos esperava para nos proporcionar aqueles dolorosos dois primeiros sentimentos e nos tirar do sério.

A porta do apartamento era de uma segurança única, tinha três fechaduras duplas, uma em cima da outra com pequena distância entre elas, de modo a garantir tranquilidade aos inquilinos. A dona do apartamento nos mostrou como fechar e, não sei por que, quando a moça da imobiliária saiu, que também tinha cópia das chaves, fechou duas das três fechaduras, a de cima e a de baixo, ficando a do meio destrancada por ser de uso apenas da proprietária conforme ela nos explicou. O problema teve origem justamente nesse negligenciado pormenor. Ao se despedir de nós desejando-nos uma feliz estadia, a funcionária da empresa imobiliária trancou a porta por fora nas trancas de baixo e de cima.

Toamos banho, trocamos de roupa e nos dispomos a descobrir Buenos Aires nos espaços por onde ainda não tínhamos passado, embora não desejássemos ir muito longe por causa do cansaço. Destrancamos a fechadura de baixo e fomos para a de cima. Colocamos a chave e giramos. Travada. Tentamos novamente. Travada. Mais uma tentativa. Travada. Duas, três, quatro, dez tentativas. Travada. Então nos assustamos. Famintos e fatigados da longa viagem, começamos a nos preocupar. Inúmeras vezes procuramos abrir a porta destrancando a fechadura superior. Nada. Travada. Foi quando começamos a nos desesperar de verdade. A quem recorrer?

No apartamento havia um telefone fixo que poderíamos usar para chamadas locais, poderia estar ali, a princípio, nossa tábua de salvação. A dona do apartamento nos informara somente o número do celular dela, portanto restava ligar para a imobiliária. E foi isso mesmo que fiz. Não contava, porém, com um fato ainda desconhecido por mim: aquele dia era feriado em Buenos Aires, daí a razão para ter tão poucas pessoas nas ruas. Por isso, eu ligava e somente uma gravação informava que por se tratar de feriado deixasse recado e aguardasse resposta no dia seguinte. Nosso desespero, a partir de então, começou a recruceder de forma extraordinária. Trancados num apartamento tipo estúdio, sem ter a quem recorrer, ao quase anoitecer de um feriado numa capital estrangeira cujo idioma eu conhecia muito, mas muito pouco, estávamos a ponto de arrancar os cabelos.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 25/11/2011
Reeditado em 25/11/2011
Código do texto: T3355007
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