Desafios selvagens
Uma coisa que sempre me atraiu, e acredito que não somente a mim, mas a boa parte das pessoas, são aquelas histórias em que um homem é desafiado por um oponente animal.
Nesse quesito me lembro do clássico Moby Dick (1851) de Herman Neville e de um filme recente, produzido em 1996, chamado Sombra e Escuridão do diretor Stephen Hopkhins. Moby Dick é a história, contada por um experiente marinheiro, da obsessão do Capitão Ahab pela enorme baleia branca que dá título ao livro que arrancou sua perna. Enquanto o filme trata de dois leões que aterrorizaram os construtores de uma ferrovia no interior da África na virada do século XIX.
As duas histórias tem algo em comum: ambas foram baseadas em casos reais. Melville se inspirou em dois casos: um naufrágio promovido por uma baleia cachalote no navio Essex em 1820 e a caça exaustiva de uma baleia branca conhecida como Mocha Dick na costa do Chile na década de 1830 (teria sido preciso 20 arpões ou mais para matá-la). Já Sombra e Escuridão foram realmente o pesadelo dos homens que trabalharam na ferrovia de Tsavo em 1898, segundo os relatos do engenheiro John Patterson. Foram mortos, empalhados e até hoje são exibidos no Museu de História Natural de Chicago,nos Estados Unidos.
O que nos atrai nessas histórias? O embate entre homem e animal? Pode ser. Parece ser a reiteração daquela velha imagem do homem como o ser escolhido para dominar a Terra, justamente por ser o único a desafiar a natureza. No entanto, Moby Dick e os dois leões aparecem nessa ladainha como contestadores dessa "verdade": são dois casos em que a natureza desafia o homem. Contudo, ele sempre ganha no final: a baleia é morta, os leões são empalhados.
Não deixa de ser interessante um fato: as qualidades humanas que estes animais adquirem. Moby Dick é uma baleia feroz e cruel, e tanto Sombra como Escuridão são dois predadores inteligentes e fortes. Um parece ira pura, enquanto os outros são maquiavélicos. Isso faz com que se tornem mais que simples animais: a baleia branca se torna um mito e os enormes felinos ganham um contorno sobrenatural.
Outro ponto interessante é que ao lado destes animais extraordinários deve haver sempre uma figura igualmente foclórica, como que para equilibrar as forças. Assim temos o diabólico Capitão Ahab e o intuitivo caçador Remington como antagonistas destas criaturas.
Em Moby Dick, uma história sobre escolhas, a mensagem que se passa é de que o homem possui um potencial destruidor dentro de si, tão irracional quanto do mundo animal. Ahab se deixa levar pela obsessão de vingar o membro perdido, embarcando em uma viagem auto-destrutiva.
Já na savana africana, a mensagem muda de conteúdo: Patterson é um homem audacioso, entretido em subjugar a paisagem local com seus trilhos, que aprende a respeitar a terra, a África para ser mais específico. O medo é o professor. O filme não é tão etnocêntrico quanto parece, mas deixa passar essa idéia de que o respeito pela natureza só pode vir através do medo, da tragédia.
Pode ser que eu esteja abusando da interpretação, mas acredito que estas duas obras que dão conta de desafios selvagens tenham como concordâncias e semelhanças os pontos acima descritos.