O rinoceronte
Quando me perguntaram prá que servia a porra do rinoceronte perto do vão livre do Masp, respondi que era puramente arte social, a velha ladainha de alguns artistas de "tornar a arte acessível à todos" ou a mais recente "promover a interação da obra com o povo". Só que eu não sou o povo. Aquele "rino" com a avenida Paulista desenhada em sua "aba de filé" seria meu um dia, meu instinto me dizia, é sempre assim, quando um objeto torna-se alvo de meu desejo, fico ansioso e mexendo com as mãos, essa é a fase da excitação. Algum tempo depois normalmente me aquieto e planejo o surrupio, perdoem-me ser tão sincero, é que sou cleptomaniaco e para me satisfazer eu penso.
Um rinoceronte é bem grande para levá-lo com minhas mãos, mesmo estas sendo bem grandes; também não usaria minha bicicleta, porque é nova e se presta mais ao mountain bike.
Talvez, leitores, me digam vocês que um rinoceronte deste porte, do porte africano mesmo, é desnecessário à mim, e contra este argumento não sei o que lhes dizer de volta.
Chega a hora do prazer, estaciono minha pickup na calçada em frente a Justiça Federal com o pisca alerta ligado, caminho em direção ao vão livre do Masp, lá meu "bibelô" descansa, como tem feito nestes dias. À guisa de levá-lo para aplicações de vacinas antivirais, pela sua prolongada exposição à garoa, vento e sol, apresentei-me como tratador de animais selvagens que são obras de arte nas grandes metrópoles mundias. Os policiais da cabine redonda não ousaram me impedir de realizar meu trabalho, pelo contrário, o cabo Furtado e o major Taurus me ajudaram a erguê-lo e conduzí-lo até o veículo.
Tive uma ereção enquanto dirigia de volta prá casa, do sofá olhava satisfeito minha nova aquisição, de repente fiquei triste e insatisfeito, ouvia aquelas mesmas vozes de sempre dizendo-me que era desnecessário ter uma peça de arte, um rinoceronte colorido na sala de casa.
É, eu vou retomar o tratamento à partir de agora, essa foi a última vez, não vou deixar acabar meus remédios, meus bicolores antipsicóticos, antidemenciais e outros, tudo será diferente doravante, vou na casa do Peixoto contar a boa nova e aproveito para dar uma espiada naquela sua coleção de cinzeiros, especialmente aquele com o desenho "La Gioconda", aliás, me sinto melhor agora, um pouco excitado, minhas mãos se agitam...