Luis Fernando x Veríssimo

E eis que o dia mal havia começado, e ainda por cima um dia de chuva, quando fui avisado de que o Veríssimo estava querendo parar de escrever. Fui ver então do que se tratava e li a matéria que o Estadão fez com ele. E lá estava, já no título da matéria: "Luis Fernando Veríssimo pensa em parar de escrever". A notícia, como se vê, era bombástica. Digna de capa do jornal. E embaixo desse título tão dramático, estava a seguinte gravata (ou, talvez, bravata): "Aos 75 anos, o escritor diminui o ritmo e diz que está mais para depressivo do que para bem-humorado".

Sem ler a matéria, eu chegaria às seguintes conclusões: Veríssimo está velho, muito velho, talvez doente, certamente cansado, não está mais em condições de escrever o que quer que seja. E mais: anda depressivo e cabisbaixo, não sai de casa, talvez passe o dia deitado na cama, quase não tem vontade de comer, e tudo isso provavelmente porque sabe que não consegue mais escrever. Mas como eu sou um pouco desconfiado de jornalistas (exatamente por ser um deles) eu resolvi ler o texto da matéria, e não demorei a perceber que, em grande medida, havia um dedo do editor para que o assunto chamasse a atenção.

Pra começo de conversa, uma boa notícia: Veríssimo não está sofrendo de depressão. O que ele disse - e o bom é que o próprio jornal expõe suas contradições - é que o humor dos seus textos está mais para depressivo do que para bem-humorado. Veríssimo diz que não tem vocação para fazer rir, e sim técnica para fazer textos divertidos. Acho verdadeiro. Anton Tchékhov já havia observado um dia que as pessoas melancólicas costumam escrever textos engraçados. Não sei a quantas andas a melancolia do Veríssimo, mas sei que ele é introvertido o bastante para devolvê-la transformada em ironia e auto-ironia - ou apenas, humor.

A jornalista diz então que esse lado depressivo não aparece nas suas crônicas, mas diz isso provavelmente por não ser uma pessoa depressiva - é claro que as piadas fazem rir, mas elas costumam esconder pequenas angústias do cotidiano. E então fala sobre a diminuição do ritmo de produção das crônicas de Veríssimo, para em seguida fazer o terrível anúncio: ele pensa em se aposentar. É então o próprio Veríssimo que diz: "Penso em parar de escrever. O problema é que o dinheiro que ganho com os direitos autorais dos livros não é o suficiente para garantir minhas contas".

Não devemos subestimar a capacidade de um jornalista em entender errado o que dizem seus entrevistados, mas vamos admitir que as aspas e o contexto da frase fossem tais e quais aparecem na matéria. Muito bem. Veríssimo cogita parar de escrever. E diz que só não para porque precisa se sustentar - uma vítima do capitalismo, afinal. Estamos falando do escritor que mais vende livros no Brasil. Pois ele, justamente ele, diz que não consegue se manter com aquilo que já escreveu. Precisa continuar produzindo crônicas para que os jornais lhe garantam a sobrevivência. Ou seja, ser escritor é pior que ser jornalista.

Outro dia andaram brigando o Zezé di Camargo com o Luciano. Ameaçaram terminar a carreira. Ninguém aceitou. Choveram pedidos para que a dupla continuasse. E os dois se acertaram e continuam cantando juntos. A ameaça do Veríssimo certamente não terá o mesmo apelo popular, mas conseguiu chegar aos Trending Topics, por exemplo. E deve render mais manifestações nas redes sociais, e novas entrevistas do autor, para esclarecer o episódio. Tudo que podemos esperar é que o Luís Fernando se acerte definitivamente com o Veríssimo - e, de preferência, sem precisar de Rivotril nenhum.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 23/11/2011
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