230 KM NUM MÊS - Parte 1

Em Buenos Aires tem o que ver, tem para onde ir, tem o que fazer. Nesses trinta dias em que fiquei residindo lá, num apartamento que aluguei por temporada, sempre encontrava distração, emoção, novidades. Durante esse longo período, eu e minha esposa saíamos a pé pelas ruas do Bairro Norte, Palermo, Palermo Soho, Palermo Hollywood, Recoleta, muitas vezes íamos até o centro e nos surpreendíamos admirando a quantidade quase inumerável de cafeterias, lavanderias, padarias, confeitarias, lojas diversas, quiosques (que eles chamam de Kiosco), fiambrerias, escritórios imobiliários e infinita variação de lojinhas com todo tipo de comércio.

Nosso apartamento alugado se localizava na Rua Arenales 2054, quase esquina com a Rua Uriburu onde havia uma cafeteria muito frequentada por idosos jubilados (aposentados) ou não. A lavanderia 5 a Sec, na Uriburu, tinha a frente virada para essa cafeteria de um lado, e do outro para uma padaria atopetada de produtos e com raros clientes. Até brincávamos que não deveríamos comprar pão lá porque se os argentinos não eram clientes habituais é porque certamente a qualidade das massas deveria ser péssima. Na outra esquina, à direita, cruzava com a Rua Juncal, e nesta se achava a casa de chás Té Conection em frente a um kiosco que funcionava 25 horas (como estava escrito no frontispício do pequeno comércio.

Nosso dia começava depois das onze horas, quando acordávamos, fazíamos a higiene usual, usufruíamos de delicioso banho quente na banheira, vestíamos roupa adequada ao frio que geralmente fazia, embora consultássemos a temperatura e o tempo na TV, e tomávamos o café da manhã. Geralmente comprávamos palta (abacate), frutilla (morango), miel de abeja (mel de abelha), bananas oriundas do Equador, as únicas existentes á venda em qualquer supermercado - bem pertinho de nós, na Rua Uriburu, um pouco após um salão de beleza que avistávamos da calçada do prédio e que se situava praticamente em frente à 5 à Sec e à cafeteria da esquina acima mencionadas, descobrimos um ótimo supermercado, o Disco, onde diariamente comprávamos víveres de primeira necessidade. Viríamos a descobrir, posteriormente, um grande número deles em diversas ruas do bairro, alguns de propriedade de chineses.

Com o passar dos dias percebemos que comprar frutas nos pequenos comércios ambulantes localizados aqui e ali sob os edifícios residenciais saía bem mais em conta do que se comprássemos nos grandes supermercados. Encontrávamos também mulheres peruanas ou bolivianas, ao lado dos filhos pequenos, vendendo frutas, legumes e outros condimentos nas esquinas e calçadas das ruas e avenidas. Nos dois primeiros dias após nossa chegada comprávamos deliciosas baguetes no supermercado Disco, mas em seguida, numa de nossas andança pela Recoleta, fomos até a Boutique Jean Paul, do famoso e luxuoso Hotel Alvear, que já conhecíamos de outras viagens a Buenos Aires, e, para nossa surpresa, encontramos o melhor pão francês que já comemos depois de nossa estadia em Paris, na verdade uma baguete de belíssimo aspecto e de sabor bastante apurado. A partir de então, adquiríamos lá mesmo nossa baguete francesa deliciosa e requintada feita conforme os padrões franceses, já que o chef Jean Paul era de Paris e trabalhava no Alvear.

Muitas vezes preparávamos nosso almoço na cozinha do apartamento mesmo e ali almoçávamos, outras tantas saíamos a perambular pelas ruas e avenidas da capital e terminávamos comendo onde estivesse mais à mão, no restaurante comum, nalguma cafeteria mais sofisticada, ou onde pudéssemos encontrar principalmente verduras, folhas, peixes, legumes e grãos para obter uma alimentação relativamente saudável conforme é de nosso hábito no Brasil. Como na região onde ficamos era possível comprar de tudo, às vezes nos deslocávamos até uma esquina, a cem metros, isto é, muito próximo de nosso apartamento, e pagávamos relativamente barato por raviolis caseiros, recheados com nozes e queijo ricota, preparados por um senhor já idoso que passava o dia inteiro nessa atividade. Eram raviolis realmente deliciosos e fresquinhos, sem aditivos químicos nem conservantes, que saboreávamos com arroz yamani (o nosso arroz cateto), truta salmonada (hum, de dá água na boca, tão gostoso nos parecia) e verduras variadas.

Desta feita decidimos não comer muitas medialunas doces e somente umas poucas salgadas, pretendíamos não engordar durante nossa estadia por lá. Só que por um acaso feliz ou infeliz, não sei precisar, peregrinando pela Avenida Córdoba nos deparamos com uma pequena padaria artesanal cujos pãezinhos em forma de meia lua, além de outros feitos com uma massa fina e macia, nos conquistaram e ponto de comprarmos diversos deles. No dia seguinte, andando pelas proximidades do nosso apartamento, por uma rua ainda inédita para os nossos olhos, tivemos a surpresa de achar uma filial da tal padariazinha artesanal, cujo nome "Pães do abuelo" não poderia passar despercebido de nossa atenção sempre disposta a descobrir algo que nos fascinasse. Daí por diante reversávamos as medialunas do "abuelo" (avô) com a baguete francesa de Jean Paul, de La Bulangerie do Alvear.

Ao chegarmos a Buenos Aires, no dia 10 de outubro de 2011, não sabíamos que era feriado nacional e que as ruas e avenidas estariam obviamente quase sem movimento. Senti praticamente um susto ao entrar na Avenida Santa Fé e notar o vazio de transeuntes e do trânsito num dos locais mais movimentados da cidade. Estranhei demais, atônito, pensando o que estaríamos fazendo chegando a uma capital tão deserta em pleno horário de expediente. Onde estariam as pessoas e os carros? Buenos Aires tinha empobrecido a esse ponto de ficar deserta em plena segunda-feira? Naquele momento, sem dúvida, receei ter feito uma grande bobagem em viajar para onde o movimento das pessoas se mostrava tão ínfimo, em especial quando entramos na Rua Arenales e paramos no número 2045, onde nos hospedaríamos.

Por uma dessas coincidências raras na vida de todos nós, pelo menos assim me pareceu naquele momento, a dona do apartamento acabava de sair do prédio quando chegamos. Claro, não a conhecíamos e nem sabíamos que era ela, esperávamos encontrar uma funcionária da empresa imobiliária para nos receber e entregar as chaves depois de fazer comigo o inventário dos móveis e demais bens contidos no apartamento a nos ser entregue, para ao final devolvê-lo como o recebemos. Nós vimos a proprietária, ela nos olhou como se já nos conhecesse e perguntou se éramos os inquilinos temporários. Respondemos que sim e indagamos se ela trabalhava na imobiliária e estava ali para nos entregar o imóvel. Ela riu e disse que era a dona, tinha ido lá somente para cuidar dos últimos detalhes, mas que iria ligar para a funcionária. Entrou conosco enquanto telefonava e nos apresentou seu apartamento. Em pouco tempo chegou a moça responsável pelo inventário e recebimento do valor do aluguel e da caução. A proprietária nos deu as boas vindas, entregou-nos as chaves e passamos ao inventário.

...cont.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 23/11/2011
Código do texto: T3351759
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