A NUDEZ DO SOLDADO



 

Logo ao amanhecer  (ainda quase noite) o soldado sai para a batalha diária. Sua luta é incansável e sem perspectiva de um final feliz. Muito jovem, atingiu a maior idade a pouco tempo. Tranquilo, educado, de boa aparência. Filho de boa família. Sua mãe, muitas vezes o segurou pela mão, quando criancinha, e o levou à Escola, à padaria, à Igreja.  Seu pai, muitas vezes jogou futebol ao seu lado, disputando as mesmas partidas no campo da cidade. Sua família desenhara um futuro melhor para seu rebento. O soldado,  apesar da idade, é comprometido. Aprendeu na família a assumir responsabilidades. Aprendeu que ser homem, também significa não abandonar seus atos, “não fugir da raia”. Sua realidade poderia ser bem diferente. Sua batalha deveria ter prazo determinado para finalizar. No entanto, ele segue, seja na chuva ou debaixo do sol escaldante. Seja na cidade deserta ou em dias de festas. O meu “herói” não conhece moleza. Sabe que é necessário persistir. Seu sustento e de sua amada depende dos ínfimos lucros dessa luta “indigna”. Meu herói não merece isso! Sei que estudou, concluiu com êxito o ensino básico. Mas, faltou-lhe incentivo,  força de vontade e oportunidade  para alçar, ao menos um vôo de sucesso.

O meu personagem representa milhares, milhões de jovens que, parece-me, ninguém olha para eles ou olham, mas, não vêem!... Em suas vidas nada acontece, nenhum progresso é esperado. Os discursos vazios, redundantes, cansativos, não passam de meras teorias. “Crianças e jovens são o futuro do país!” Mas, espera aí! De qual futuro e de qual país “eles” estão falando?... O futuro é hoje. E o país é este que assiste entre perplexidade e indignação, o extermínio, o massacre, o banho de sangue de milhares de jovens, adolescentes e crianças, por que, “eles” não cuidaram de “seus futuros”! Eles tiveram e tem o futuro abandonado, largado, esquecido, entregue à própria sorte, assim como tiveram a grande maioria de seus pais e familiares.
Nunca vou entender porque os governantes, desde o município até a esfera mais elevada, não investem com seriedade nessa população. Mas voltando a falar de meu herói: ele tem nome e sobreneme, tem endereço fixo, quem sabe, foi meu aluno. Apenas não tem a mesma sorte que vários outros companheiros de turmas tiveram. Sua vida segue lenta, sem êxito algum. Seu ritmo é sempre o mesmo. Sua produtividade quase nada lhe acrescenta.  Mas é preciso continuar. Por isso, ele segue para a mesma batalha diária. Sem quepe, sem contra cheque. Despido de farda, de coturno, de armas. Despido de comando, de batalhão, em sua batalha solitária.
Despido de cidadania... exibe sua nudez de dignidade!

Isis Dumont
Aparecida Ramos
Enviado por Aparecida Ramos em 23/11/2011
Reeditado em 05/12/2020
Código do texto: T3351400
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