Pipas, motivo de sofrimento




Hoje a faxineira do prédio, mulher normalmente alegre, disposta estava chorando.

Passei por ela, cumprimentei-a, respeitei esse seu dia “azedo”. Podia ter tido um desentendimento com familiares, recebido uma notícia desagradável, enfim... Não quis atrapalhar.

Fiz meus afazeres domésticos e desci para ver como estava a criançada, se estavam bem, pois que brincavam fora do meu alcance visual e, passando por ela notei que continuava triste, chorando. Esfregava o chão como quem está esfregando a própria alma. Então resolvi perguntar se precisava de algo, se eu poderia ajudar de alguma forma. Ela enxugou as lágrimas, deu um sorriso fininho e curto e respondeu que agora não adiantava mais nada. Ninguém podia fazer nada. Só restava chorar por aquela mulher que ela conhecia, uma vizinha sua.
_O que aconteceu? Perguntei atrevida.
_ Ó dona, a minha vizinha tem um, aliás, tinha, um filho com quatorze anos. Bonito, saudável, alegre, cheio de vida e que agora está morto.
_Como foi isso?
_ Ele estava soltando pipa. O maldito pipa enroscou no fio elétrico e ele recebeu a descarga e morreu na hora. A mãe está morrendo junta...Não é tanto pelo menino que estou sofrendo, é por ela. A gente conhece a mãe, sabe que sempre se preocupou, deu conselhos, ensinou, a professora na escola sempre aconselhava e dava de lição de Prevenção de Acidentes para não mexer com as pipas quando enroscassem nos fios elétricos. Por que ele não ouviu? Agora aquela mãe está de desmaio em desmaio... Calmante e mais calmante. Talvez não consiga seguir o velório direito, nem ver o enterro do filho. Uma coisa de cortar o coração! Só vendo para saber o que ela está sentindo. Eu fico aqui, trabalhando e pensando no meu pequeno que fica em casa a maior parte do tempo sozinho. Ainda não tem tamanho para fazer pipa. Mas até quando vou ficar tranqüila, sabendo que ele está quieto em casa com quem cuida dele, que é a avó?

Fiquei muda. Falar o quê. Iniciar o ano dessa forma com tamanha perda para uma mãe, mesmo desconhecida é muito triste.

Foi nesse momento que entendi o sentimento daquela mulher tão simples, uma pernambucana trabalhadora que já estava se preocupando com o que o filho iria fazer quando tivesse idade de sair de perto dos seus cuidados. Será que ele ouvirá seus conselhos? O das professoras?

Conselhos não faltam para essa moçada, que gosta de correr perigo. A necessidade de gastar as energias, a vontade de viver tão plenamente acaba com vidas tão prematuramente.
O que faz um garoto de quatorze anos, ir buscar uma pipa na rede elétrica, sabendo dos riscos que corre?

Não encontro respostas. Talvez os psicólogos todos têm essa resposta.

Talvez a mãe esteja sendo até acusada de negligência. Talvez esteja se culpando: se eu tivesse impedido de sair...Se eu tivesse feito isso, aquilo...Eles não ouvem. Querem se divertir.

Agora com as férias escolares o perigo está mais próximo que nunca. Ficamos sabendo sempre que isto ocorreu aqui, ali. Exemplo de perigo que está sempre sendo ignorado. Por quê? Por que perder a vida tão cedo de forma tão traumática para ele e principalmente para os familiares? Perguntas sem respostas.

Para essa mãe e para tantas outras só ficou a dor e daqui há muito, muito tempo restará a saudade. Se conseguir se recuperar. Essa dor é a pior que existe. Não tem nem nome.
A única coisa que depois de algum tempo consegui dizer foi... Ore por eles. Tanto o que partiu como os que ficaram estão necessitando de orações, único alívio nessas horas.

Oremos por eles e pelos jovens que estão em perigo!