O rapaz acidentado

Esta é uma história verdadeira. Faz mais de dez anos que aconteceu mas ainda está viva na minha mente.

Naquele dia eu acordei cedo com o toque do telefone. Era meu amigo Henrique pedindo que eu fosse urgentemente a um hospital ver um rapaz, filho de uma senhora do Grupo Familiar que eu liderava. Pelo telefone eu podia ouvir os gritos e o choro dela enquanto ele falava.

Na madrugada o carro que o rapaz estava dirigindo fora atingido violentamente por um ônibus e ele havia sofrido uma desaceleração cerebral (igual à que matou o Ayrton Senna), dentre outras coisas.

Cheguei ao hospital e pedi para me deixarem entrar onde ele estava. Nunca havia me deparado com uma cena daquelas. O corpo dele estava coberto de ferimentos e hematomas. A cabeça tinha uma rachadura de uns 15 cm na parte do crânio. Outra rachadura no canto da boca fez o queixo mudar de lugar. Havia sondas na boca e no nariz, por onde saiam secreções que não paravam de minar.

Mas o que mais me assustou foram as convulsões. O corpo não parava de dar saltos na maca, o peito parecia querer sair do corpo de tão alto que pulava, e fazia um barulho tão alto que parecia a respiração de um animal grande cansado. Os braços esticados e rígidos ao longo do corpo se movimentavam com violência, com as mãos tortas, como se estivessem enroscando alguma coisa velozmente e sem parar. Segundo o enfermeiro, esse movimento era o sinal de "descerebração", ou seja, o cérebro estava parando e ele morreria dentro de algumas horas.

- Mas como? Ele não está respirando? Esse movimento do peito não é respiração? Ele não está acordado nem sentindo nada? (pra mim aquele rapaz estava sofrendo um horror inimaginável!).

- Não, ele está em coma, isso é convulsão. O cérebro está com muitos coágulos.

Não sabia que uma pessoa em coma ficava daquele jeito. Os filmes sempre mostram as pessoas em coma completamente paralizadas, não é? Então o enfermeiro me mostrou um raio X da cabeça do rapaz, com uma porção de marcas escuras.

- Cada uma dessas marcas é uma lesão. O cérebro está solto dentro da caixa craniana. Não tem como ele viver.

Eu simplesmente não acreditei no enfermeiro. Acredito piamente que Deus estava me usando naquele momento, pois insisti comigo mesmo que um corpo que pulava daquele jeito não podia estar morrendo.

Então o enfermeiro me disse:

- Estou sem assistente, coloque aquelas luvas por favor, preciso que me ajude.

- A fazer o quê?

- A costurar a cabeça dele.

? ? ? ? ? ?

O QUÊ? Eu ia ajudar a costurar uma cabeça? Eu ouvi isso?

- Depois o queixo.

? ? ? ? ? "2"

Coloquei as luvas.

- Segure bem firme a cabeça. - Disse o enfermeiro.

Sem hesitar enfrentei uma cabeça rachada que não parava de se mexer, e aproveitei para fazer a única coisa que sabia, pois nunca tinha me visto numa situação dessas: ORAR. Segurei firme e comecei a pedir a Deus a vida do rapaz, só lembrando da mãe que havia ficado lá fora, desesperada, gritando pelo filho. Ela gritava e chorava tanto que literalmente espumava pela boca de tanta aflição.

A cada furada da agulha no couro cabeludo eu ouvia um "TUC", e o corpo dava um salto maior.

- Olha, ele está sentindo as agulhadas! - Eu disse.

- Não, é reflexo do corpo, ele está desacordado.

Então me recolhi à minha insignificância e continuei minha oração silenciosa de súplica, até que o enfermeiro terminou a parte da cabeça.

Num desses momentos, uma das sondas errou o alvo e respingou secreção em mim, sujando um pouco minha roupa, mas aquela não era uma hora para se importar com manchas de camisa.

Depois foi a vez do queixo. Novamente, a cada "TUC" da agulhada, o corpo saltava de uma forma diferente, mas não perturbei mais o enfermeiro com o que eu achava sobre o rapaz estar acordado ou não.

Tudo costurado. O rapaz foi levado para uma ressonância magnética, mas teria que ser tudo naquela manhã, antes que ele morresse "de vez".

O fato é que, surpreendendo os médicos, mas não a mim, ele continuou vivo aquela manhã.

E à tarde.

E à noite.

Um mês depois eu fui visitá-lo na UTI. Estavam fazendo hemodiálise nele, ainda em coma, e o médico naquele momento era um amigo meu que conheci nos tempos da faculdade, cristão, que me ensinou muita coisa sobre fé e sobre Jesus, quando eu ainda era "criancinha" nos meus primeiros momentos de vida no Evangelho. Ele orava muito por mim e participávamos todas as semanas das reuniões da Aliança Bíblica Universitária. Há anos não o via e fiquei feliz, mas logo percebi que ele estava estranho, de uma frieza cadavérica.

- Como ele está? - Perguntei. Ele fez uma cara infeliz.

- Mal, muito mal, não acredito que ele sobreviva.

Não sei o que os anos de estudo de medicina fizeram com meu amigo, mas aquele definitivamente NÃO era quem havia me dado estudos bíblicos sobre Jesus.

Fiquei decepcionado em silêncio, recordando toda aquela manhã das convulsões, e continuei crendo em silencio, talvez uma fé sobrenatural, não minha, que aquele rapaz não morreria. Durante todo aquele tempo eu sabia, não sei como, mas Jesus sabe, que ele não ia morrer.

Dias depois a mãe do rapaz me falou que havia saído do culto e na frente da igreja encontrara um homem que se apresentou como pastor de lá, mas ela não sabia dizer o nome. A filha dela insistia em dizer que nunca tinha visto aquele homem na igreja.

- Ele me parou na frente da igreja - disse a mãe - e me falou: "Jesus está lhe devolvendo seu filho".

Foi a única coisa que ele disse.

Cerca de dois meses o rapaz estava em casa, com bastantes sequelas. Não podia falar por causa da deformidade na boca, estava muito magro, e se comunicava por gestos. Mas a mãe percebia que às vezes ele parecia conversar com alguém que só ele via. Quando ela perguntou se era isso mesmo que acontecia, ele fez um gesto afirmativo. E quando ela perguntou quem era, ele apontou pra cima.

O rapaz está vivo até hoje.

Eduardo Escreve
Enviado por Eduardo Escreve em 22/11/2011
Reeditado em 03/01/2012
Código do texto: T3350728
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.