Recordações de Dezembro
O mês de dezembro sempre me trouxe uma relação especial com os livros. Mês do meu aniversário, do Natal, e os livros foram sempre presentes prediletos. Além do mais, eram as férias, e o dia corria vazio à minha frente, convidando-me a me acomodar na poltrona cor-de-rosa que havia em meu quarto, com um livro na mão. Mamãe, muitas vezes, zangava-se porque eu não saía para tomar sol. Sair para que, se o livro era melhor que o sol?
Recordo-me de duas situações particulares, a permeá-las um intervalo de cinco anos.
Era 1954. Ao completar dez anos, ganhei de presente de aniversário a coleção de livros infantis de Monteiro Lobato. Quando os livros chegaram, estava eu brincando na casa da vizinha. Mamãe foi chamar-me e eu voei para casa, para examinar o meu tesouro.
Dias depois, a vizinha veio em busca de notícias minhas. Achava que eu adoecera, pois não aparecera mais para brincar. Ela não sabia que eu estava no Sítio (o do Picapau amarelo), por isso não fora à sua casa. Só voltei a brincar após ter lido os dezessete volumes de que se compunha a coleção!
Anos mais tarde, ao completar quinze anos, ganhei outra coleção de livros, a coleção Menina e Moça.
Àquela época a infância era mais longa. Embora aparecessem os sinais biológicos da adolescência por volta dos onze, doze anos, eles nada mais eram que um estorvo na nossa infância. Adolescência mesmo, somente lá pelos quinze, com o primeiro batom, o primeiro salto alto, o primeiro baile.
Estava eu então curtindo o fim da minha infância, quando ganhei a tal coleção que hoje, talvez, mal atraísse crianças de oito ou nove anos. Histórias ingênuas, românticas, que agradavam à criança-adolescente idem.
Uns vinte dias depois de terem chegado os livros, diz-me mamãe: “Filha, eu vou levar um ano pagando as prestações, e você já leu todos os livros em menos de vinte dias!” Eram quinze volumes.
Não se preocupe, mamãe, seu dinheiro foi bem empregado, pois li e reli os livros ao longo dos anos.
Obrigada, mamãe e papai, pois os presentes que vocês me deram não foram como aqueles que perdem o encanto quando acaba a novidade, nem ficaram pequenos ou fora de moda. Acompanharam-me na infância, na adolescência, na juventude e na maturidade. Ainda hoje, na terceira idade, trazem-me a lembrança de vocês dois, porque os releio ainda e me divirto como antes. Com eles, vocês me deram a chave que me abriu as portas de desconhecidos e maravilhosos mundos, mesmo sem que eu me arredasse da velha poltrona cor de rosa...
(Escrevi esta crônica, bem pessoal, quase uma confissão, para homenagear meus pais que, pelos seus esforços e dedicação, levaram-me a ser o que sou hoje. Quando a escrevi eles ainda eram vivos.)