"O Fugitivo".

Quando voltei não tive coragem de procurá-la. Deixei minha mochila em uma pensão popular e fui a um bar de snooker. Mesmo meu longo afastamento do jogo não fez perder a prática, consegui levantar capital para, pelo menos quinze dias de pensão. Como no bar não tinha refeição fiz um lanche reforçado. No dia seguinte, após cortar a barba em uma barbearia próxima, comecei a passear pelos locais conhecidos sem nenhum contacto. De tarde vi um velho conhecido, quando me aproximei ele reconheceu minha voz, após conversarmos bastante, ele falou.
-Pelo jeito você não sabe das novas? Sabe a Cecília, sua ex?
-Não que houve?
-Quando você foi embora, naquela confusão, ela casou com o Arnaldo. O Arnaldo era meu amigo, pois é todo mundo achou que foi traição. Eles não poderiam fazer isto com você. Senti-me traído duplamente, desconversei e quando me despedi ele falou.
-Eu sabia que você voltaria, você é sangue no zóio, não ia deixar barato. Fui para a pensão pensando naquilo, sangue no zóio. Deixar barato. Como sabia onde Arnaldo morava e era casa própria, devia estar morando ali. Fiquei algumas horas parado. Mas nada consegui visualizar, que me desse pelo menos à certeza que estavam juntos. Voltei para a pensão, à vida na rua me dava muita insegurança. Parece que todos me olhavam e sabiam que era fugitivo da justiça. Na pensão dormi até a noite, por volta de vinte e uma horas saí outra vez, estava com fome, só havia comido um lanche em vinte e quatro horas. Fui direto para a boca do lixo, com boca do luxo, É na divisa que você encontra de tudo. Arrochei uns malandros e travecos, só no 171, e tirei o da feira, agora podia jantar. Fui a um restaurante brega, tipo italiano, onde comi um enorme filé a parmegiana, agora estava saciado, o curioso de tudo é que na cadeia sempre eu dava um “tapinha”, agora nem bebida alcoólica, acho que vou virar padre ou pastor. Agora para fechar a noite só faltava uma companhia, no Arouche foi fácil, a menininha, nova na praça por um preço baixo topou alegrar minha noite. De manhã, saí do pulgueiro e deixei-a dormindo,não sacaneei, deixei o dinheiro na bolsa dela, se quisesse até os trocadinhos dela teria pegado. Voltei para meu posto de observação, agora a vi estava maravilhosa. Com o cabelo Chanel, pouca maquiagem, nunca gostou de usar, estava de tamanquinho, bermuda e camiseta regatas. Quase esqueci que era casada e corri para ela. Mas o carrinho de bebê com a criança ditou as regras, saí dali. Não sou violento, mas aprendi me defender e a melhor defesa é o ataque. Peguei o resto do dinheiro, que havia sobrado e fui ao bilhar da S.João. Tinha um otário que chamamos de pato gordo, que sentiu ser eu sua vítima. Sempre que eu ia fazer uma boa jogada, o taco espirrava, ele aumentava a diferença do jogo. Partiu dele o convite para aumentarmos a aposta.
-Aceita?
–Você joga bem parece que está sem sorte, mas ela muda de repente. Aceitei a aposta a aumentei só um pouco, ganhei com pequena diferença. Mantendo sempre pequena diferença, fui ganhando dele, sempre cada duas ou três ele ganhava uma. Eu mostrava uma felicidade que estava longe de sentir. Como ficou irritado, quis dobrar a aposta.
Se eu perdesse ainda teria um pequeno lucro e foi o que fiz, se sentindo o super homem e achando que iria recuperar e me rapelar, tomando todo seu dinheiro, (pensando que eu tivesse). Mas perdeu e então eu propus.
-Vamos dobrar, acho que estou com sorte, ele topou e perdeu de novo. Consultou os bolsos e parece que não tinha o suficiente para cobrir a próxima aposta. Aí colocou o dinheiro, o relógio, e uma aliança de ouro. Queria apostar contra tudo que eu havia ganhado, logo encostou alguém para comprar o relógio e a aliança. Como na vida não tem lugar para dois malandros, falei.
–Bico não entra, imediatamente entenderam e se afastaram. Só o idiota não percebeu, deixei o jogo ficar perigosamente para ele e num jogo que chamamos de “cagada” ganhei o relógio, a aliança e seus vinténs. O otário queria revanche, e por tudo que é sagrado, queria apostar sem ter nenhuma garantia.
- Dá-me a chance tenho coisas em casa que posso te dar, tenho televisão nova, geladeira, tenho até um ferro.
- O que? Você tem um revolver?
-Tenho com balas e tudo. A geladeira, a TV, e o ferro pela metade do que perdeu, topa? -Topo estava tão nervoso que nem precisava jogar ganhei de primeira.
-Vamos buscar o bagulho, saímos na caminhada. Falei para ele.
-Estou com um ferro em cima (estou armado), só que é de um chegado, tenho que devolver, então pego a sua e despacho a minha. O tonto se chamava Manoel, e era viciado em bebida e em jogos. Morava em uma pequena casinha com a esposa, mas a situação difícil o fazia tentar a sorte.
- A casa é pequena?
-Tem quarto sala e cozinha.
-Tenho outra proposta, estou de passagem, vou para o Rio, enquanto não acerto as coisas aqui, você podia me dar guarida e eu te pagaria vou pagar hotel mesmo?
-A mulher cozinha?
-Cozinha.
Chegamos a sua casa na periferia, já estava amanhecendo.
- Como está de rango lá.
- Não tem nada.
-Vamos passar nessa padoca. La, percebi, que ele queria beber, mandei servir uma pinga, peguei pão e leite, manteiga, mortadela. Ele queria tomar outra, falei agora não, vamos levar uma garrafa. Na casa eu coloquei as caixas sobre a mesa, e falei.
-E o ferro cadê?
- Está escondido no banheiro no alçapão. Pegou, era um oitão antigo, mas era um oitão, com meia caixa de balas, umas vinte.
- Por enquanto Manoel, você fica você fica frio normal, fica com a tv, com a geladeira. -Mas eu quero tudo, que você me deve entendeu?
- Lógico maluco dívida e do diabo. Sua mulher ouviu a conversa levantou. Era uma franguinha nova, não era bonita, mas tinha um corpo da hora. Ele a mandou fazer café, só que não queria tomar, tomou uns dois lavrados da branquinha. Vi que ela estava com fome, porque bateu bem a mortadela na chapa com café. Também comi um pouco, ele já estava alegre. Caiu no sofá roncando, falei para ela mulher.
-Seu marido me deve, perdeu tudo no jogo, para mim até você, entendeu? Ela calou a boca, eu não fumo e não bebo, estou com sono ele dorme até que horas?
- Ela disse só vai acordar à tarde, quase noite. Estou com sono, vamos descansar, ela não queria querendo, então rolou o clima e me casei de aliança e tudo. Quando acordou, falei.
-Você vai buscar mais umas garrafas, mas primeiro tem que trazer umas mercadorias, fiz uma lista do que é preciso na casa arroz, feijão, carne, enfim tudo.
- Só não compra a pinga ela você vai buscar depois. Chegou com a compra por volta de por volta de quatro horas, falei agora mande sua mulher fazer comida, ele mandou, falei agora vá buscar umas seis garrafas. Dei o dinheiro e ele saiu correndo parecia um moleque de recados. Quando voltou já estava bêbado, havia bebido no bar, mas trouxe as garrafas. Dali a pouco estava dormindo no sofá. Peguei sua mulher no colo e falei.
- Dolores, enquanto a comida fica pronta, vamos tomar um banho, quero que esfregue minhas costas. Ela talvez mais sem vergonha que ele ou mais carente riu. Ficamos no banho que quase queima a comida. Após o almoço descansamos mais um pouco e num cochilo meu, quando acordei, Manoel estava na porta do quarto. Ela acordou assustada, pensei é hora de trabalhar, ele não estava mais bêbado, porém estava de ressaca.
- Vou fazer uma pergunta e você vai responder, mas primeiro vai apanhar Manoel. Da cama já deu um chute no saco dele e um par de socos no estomago, bati com sua cabeça na parede. A mulher falou.
- Você vai matá-lo. Vou fazer uma pergunta.
-De quem é esta casa Manoel?
-É minha. Apanhou de novo.
- Manoel de quem é esta casa?
- É sua, e de quem é a TV?
- É sua,percebe que tudo aqui é meu?
- Sim, então relaxe, vou ganhar bastante dinheiro e você só vai ficar quietinho. Comprar comida, bebida a vontade, por exemplo, pegue a garrafa, ele pegou estava acabando, pois era a primeira. Seca ela, ele tomou, abre outra, ele abriu, pegue um copo e vamos beber. Colocou dois copos na mesa, só ele tomou. Agora mulher, quem é seu homem? Ela não pestanejou, falou.
-É você.ta bom agora o Manoel vai tomar outro copo e vai dormir, você vai fazer compras.
- O que você gosta traga para você, estou lhe dando este dinheiro não traga nada de volta entendeu? Doces, salgados, roupas, enfim você é quem sabe. Vou sair não deixe o Manoel falar com ninguém.
-Pode deixar, eu nem sei seu nome?
- É que eu não falei, chama de amor tá.
-´Ta amor, fui ao bilhar, fui à vários e nada de ganhar. Que porra, hoje não é meu dia. Parado na esquina, acho que o volume do revolver mexeu com uma bicha velha de carro. Cumprimentou e convidou para um passeio, não rodou três quilômetros e foi enquadrado. Chorando muito deu tudo que tinha inclusive o cordão de ouro e anel. Feliz da vida foi embora, eu também. Quando cheguei a minha nova residência, meu sócio dormia. Dolores já havia feito compras e estava muito feliz. Acho que nunca havia comido e bebido a vontade. Toda hora comia um pedaço de doce com queijo, ou chupava um sorvete, ou até trocava de roupa.
-Procure tratar o tranqueira do Manoel, pois assim ele vai morrer. Está bebendo muito há quatro dias logo ele se apaga. Ela falou,
Que se dane, ele é um f.d.p. só me judiou.
- Então vou levá-lo para um sítio que só tem pinga. Vai morrer de tanto beber que acha? -Acho bom. A pinga acabou e o Manoel começou a reclamar, falei para ele.
-Vamos fazer um serviçinho fácil. Você vai ganhar dinheiro para nunca mais trabalhar, que acha?
- Eu topo, mas não gosto que você dê em cima de minha mulher. Sou homem tenho vergonha na cara.
- Não, ela não gosta de mim, eu até tentei, mas ela gosta de você. Ele precisava ouvir isto e acreditou. Tinha comprado uns dez papelotes para criar coragem de fazer alguma coisa. Aproveitei, comprei uma garrafa de pinga, joguei a metade fora e misturei o pó com ela qualquer trouxa perceberia, mas não o Manoel. Ele pegou a garrafa e desesperado virou toda na boca. Peguei seus documentos e o empurrei para o leito do rio Tiete. Ele ainda falou.
-Mas você é meu amigo.
- Lógico que sou, por isso quero libertá-lo. Ele ficou na margem, mas logo começou o efeito da hoover e ele mesmo foi para água.
- Dolores, o Manoel foi internado no Instituto Charco, está muito fraco, acho que de lá não sai, se prepare para o pior. Enquanto puder ou você me quiser te ajudo. Vamos fingir que somos marido e mulher, que você quer fazer hoje?
-Quero jantar fora e ir a um motel. Jantar fora sim, motel, não, o nosso quarto é melhor. Ela falou.
-Ta bom.
Peguei todos os documentos do Manoel, até que achei uma apólice de seguro. Nossa o balão tinha seguro e até esqueceu, acho que Dolores ganhou na loteria. Pesquisei e vi que eram casados de fato e a grana do seguro daria para viver o resto da vida sem depender de ninguém, a menos que encontrasse um tranqueira igual a mim.
- Você vai ser procurada, por agentes de seguro, policiais, e tudo mais, fale que o Manoel saiu com um amigo, só que para você desconhecido, mas era amigo intimo de Manoel. Aqui todos poderão confirmar. Isto te livrará, de suspeitas. Quando a situação acalmar, eu volto. Nunca saí com mulher rica. Ela deu risada, e aquela noite foi especial, acho que pela alegria de ficar rica, quase me apaixonei, por ela. De madrugadinha, ainda fiz mais uma viagem, depois pé na estrada. Agora era hora de fazer visita, antes de o dia amanhecer, estava dentro da cozinha do Arnaldo. A primeira a chegar, foi Cecília, levou um susto.
-Quem é você? Roberto? Você estava preso quando saiu?
- Isto não é importante, mas foi só eu entrar em cana e você se entrega ao primeiro que aparece? E ainda por cima, o Arnaldo? Ela tremia que não conseguia falar. Arnaldo da porta assistiu tudo e disse.
-Foi bom você ter chegado. Sabia que você tinha fugido, nunca foi traído nem por mim, nem por ela. Quando você foi preso naquela errada, ela estava grávida e eu sabia. Propus a ela uma saída honesta e ela aceitou. A princípio, apenas para salvar as aparências, mas depois eu a amei como você nunca amou, seu filho agora é meu filho e eu não me separo deles por nada. Não tenho raiva de você, pois foi meu amigo, mas se tentar alguma coisa, eu te entrego na cadeia para puxar o resto da cana que te falta. Quando ia apagar os dois, apareceu um menino de três ou quatro anos chamando a mãe. Vi que realmente parecia muito comigo. Nunca fiz nada de bom e agora ia fazer algo pior.
-Não gosto mais de você. Fique com o Arnaldo e sejam felizes. Deixei a casa não sei se triste ou feliz, mas meu filho estaria bem. Não quis mais voltar para Dolores, ela ia ficar bem, sempre tem uma alma boa para cuidar de uma viúva rica. Voltei para a boca do lixo, precisava de dinheiro e ali era o único lugar para arrumar fácil. Fiz uma parada na S.João com Ipiranga esperando um patinho, ou peixinho. Ví um boyzinho com uma bela moto e uma tiracolo, pensei.
-Tai a minha marmita. Quando comecei a colar nele, um traveco bateu sujeira, perguntei para o boy.
- Tem lugar para comer barato por aqui? Ele me olhou firmemente, e falou.
-Se ao quiser comer lanche, vá la mo meia-sopa, ou no sujinho.
- Valeu obrigado, e sai dali. Assim que a moto saiu, voltei e falei para o travesti.
-Você fez um gesto para mim, o que foi?
- Fiquei no sétimo pavilhão, irmão tá escrito na tua cara, ias dar o bote no Aliban. Se não morresse, ia apanhar tanto que nunca mais sairia de uma cadeira de rodas. Abachei à cabeça e falei.
-Aprendi a lição, obrigado.
- Tá com fome? Eu não fiz nada hoje tá Uó, se quiser comer pão seco e sopa tenho no Kit. Era uma pocilga cheio de putas e bichas. Comi e falei para ele.
-Foi a melhor refeição de minha vida. Um dia te pago.
- Larga a mão, a gente sempre se ajuda no crime. Fiz dois motoristas de praça e não conseguia mais sair dali. Dizem que quem toma água benta jamais sai da igreja. Estou encostado no paredão esperando uma possível vítima. De repente o auê. Aquela bicha que me deu comida, havia dado uma giletada, na outra, chegaram os homens, como ele não se acalmou, começou tomar um corretivo, era muita bordoada, ele ia morrer. Tentei interferir, apanhei também, nisso o policial viu o revolver, na minha cintura. Gritou.
-Arma..., e sacou sua arma, saquei também, nos acertamos. Só que eu no braço, e ele no estômago.
Minha arma caiu, agarrei a bicha machucada e falei pinote.
- Ela entendeu, mas as pancadas haviam minado suas forças, não corremos dez metros e fomos pipocados, depois disso os dois sentados na guia, ele falou.
-Meu nome é Osvaldo e o seu?
-O meu é José.
- Gozado poderíamos ter sido amigos nunca tive um.
-Também não, pegamos na mão um do outro e falei.
-Acho que dançamos, ele respondeu.
-Fazer o que? Melhor perto de amigos né?
Ao longe ouvi uma ambulância, mas nada adiantaria.

Na S. João continua tudo igual, o rabecão levou os corpos. As bichas voltaram e ninguém percebia que estava pisando em sangue.

Esta história é fictícia, mas pode ser que Jose tenha existido, só queria salientar, que quando você vive no crime, sua vida é curta. Os motivos variam, mas entrou é cadeia, ou cemitério.

OripêMachado.



Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 21/11/2011
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