AGORA QUE TUDO PASÇOU

Agora que tudo pasçou, Dona Herda, ex-censora, retorna de Brasília onde foi “prestigiar”, como gosta de dizer, a posse do Presidente Da Sillva. “Adorei”! disse ela entusiasmada com o que acredita vir a ser um novo governo do senhor Da Sillva, sua maneira de referir-se ao Presidente. O entusiasmo de Dona Herda, porém, não se refletiu na rua nem dentro do Congresso reunido em solenidade desnecessária, cara e sem nenhuma graça. Na rua, porque a chuva - desculpa encontrada pela mídia oficial – foi a responsável pela ausência de povo numa festa popular; jamais populista como se ouviu dizer. O Presidente até que se esforçou tomando uns pingos de chuva numa demonstração clara de que quem vai pra chuva é pra se molhar. Os abrigados da chuva não ocuparam totalmente as dependências do Congresso Nacional, como fizeram há 4 anos; não foram suficientes. Um terço dos espaços estavam vazios. Nesse caso, não era preciso gastar 1 milhão de reais para empossar quem já está no cargo. Deveria ter sido feito como é a crisma, que reafirma o batismo e, por isso, não tem nem festa. Não há novo Ministério nem as naturais expectativas sobre um governo que se instala. Podem ser os mesmos que já estão nos cargos. Se um ou outro tiver que ser trocado, para dar lugar a novos aliados, indicados por acordos político-partidários, que se faça. Mas não chamem isso de reforma ministerial, que é coisa bem diferente. Como também não devem ser chamadas de “pacote” as naturais medidas de início de ano. Os “pacotes” são coisas do passado e nunca funcionaram e nem eram bem vistos pela população. Quem estava vivendo aqui “nesçe phaíz” durante os tempos da “redentora” sabe do que se trata. E igualmente não se pode qualificar esse de um Governo de coalizão. Por mais que a coalizão seja, por definição, um acordo entre partidos, isso que se faz agora e não tem esse sentido. O propósito único e de todos os cidadãos para reconstruir uma Nação após ter sido destruída pela guerra, por exemplo, sem dúvida fará com que os partido se unam em torno de um Governo de coalizão. Porém, garantir o que chamam de “governabilidade” destruindo a oposição com ofertas de fazer a maioria parlamentar cair em tentação é apenas o meio caminho andado para acabar com a democracia representativa. E isso tem outro nome.

As promessas do senhor Da Sillva, Presidente reeleito, foram feitas aos borbotões. Todas pontuais sem plano nem projeto, sem quando e como. Sabemos de nossas necessidades, como também sabemos do que “precisamos”, o que “devemos” fazer, como ninguém “nesçe phaiz”. As promessas de campanha, reafirmadas nessa re-posse, de “incentivar”, “fomentar”, “apoiar” e outras mais,num festival de infinitivos, o crescimento do país com o trabalho de todos bem alimentados, com saúde e educados, nos dão à impressão de que quem está discursando não está comprometendo-se fazer o que já é de sua competência e dever, mas, sim invocando alguma entidade esotérica do leste de Júpiter, ou da galáxia mais próxima.

Dona Herda,ex-censora, não perdeu a esperança, mas não esquece que na Copa do Mundo de Futebol ela, a esperança, foi morta pela França. Assim ela sabe que a esperança é a última que morre, depois de tudo e de todos terem, portanto, desaparecido. Dona Herda se pergunta: “o que deveria fazer a esperança, se não morrer, já que, sendo a última a estar viva, não haveria mais ninguém para esperar por ela?”

Dona Herda está contaminada por bobagens como essa devido a sua filiação – depois da anistia - e devotada militância política, atuando decisivamente em uma das 58 facções de uma das 120 tendências ideológicas do partido. Mas, ela, pessoalmente, confia e acredita no senhor Da Sillva, que apesar de ser do mesmo partido significa ser outra coisa. E aos que não concordam Dona Herda explica pacientemente que uma coisa é uma coisa e que outra coisa é outra coisa. Assim, o senhor Da Sillva é um ser original e o seu partido é outra coisa. Que coisa, heim!

E dessa maneira iniciamos mais um ano acreditando que “the best is yet to come”, depois de termos encerrado o anterior sob a tortura dos versos mal traduzidos de “so this is Christmas” que não significa a mesma coisa que “então é Natal”. Que não quer dizer nada e que, tão horrível e sem sentido, só perde para “aprecie com moderação”. Dona Herda encheu a cara em Brasília, pois “aprecia pra caramba uma cachacinha”, depois da cerimônia de continuação do senhor Da Sillva, sentada na grama molhada da Esplanada dos Ministérios assistindo ao show que vários artistas fizeram sem ganhar nenhum cachê, apenas por “convicção”, conforme informou uma figura teatral do Ministério da Cultura. Ninguém entendeu.

Terça-feira pela manhã, Dona Herda já refeita do porre cívico-etílico e com roupas secas e limpas aguardava o “check in” de sua vez no balcão da TAM no aeroporto de Brasília. Intrigada com o silêncio, deu-se contas de que estava sozinha. Não havia ninguém; nem tumulto,nem,filas,nem vôos cancelados, ninguém colocado em “overbooking”. Tudo e só ela estavam calmos, nos seus lugares. O relógio marcava 6 horas em ponto. Dona Herda, ex-censora, sorriu para sua própria alma, suspirou fundo e falou baixinho: “deixem o homem trabalhar”.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 02/01/2007
Código do texto: T334674
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.