Saudade insubstituível

Ao ler um texto de Martha Medeiros, chamado: A dor que dó mais, me deparei com uma situação em que provavelmente todo mundo já tenha passado, por mais que se negue ou tente esconder. Fiquei impressionado com a forma que ela descreveu a saudade.

Sentir saudade é inevitável, qualquer que seja nossa idade, nossa personalidade, e até mesmo nossa maturidade.

Certa vez vi em um filme (Forrest Gump – O Contador de Histórias), que é engraçado como conseguimos lembrar-se de certas coisas e outras não.

Acredito que se podemos conseguir lembrar apenas de algumas coisas é por que sentimos saudades, mesmo que seja uma lembrança ruim, já que o que está presente em nós demonstra que de uma forma ou de outra aquilo nos marca.

Eu por exemplo, após uma severa reflexão consigo eleger vários momentos que me faz sentir saudades.

Lembro-me que quando era criança, não sei bem o porquê, mas eu tinha medo de câmera fotográfica, eu corria chorando para algum lugar onde pudesse me esconder. Meus pais sempre vinham atrás de mim e tentavam me pegar distraído, e caso não conseguissem, a foto era tirada de mim chorando mesmo. Embora eu não consiga neste momento me lembrar do motivo que eu tinha medo da câmera, eu sinto saudades desta situação que acaba refletindo um pouco da minha infância.

Durante boa parte do meu crescimento eu tinha que ficar um período do dia com minha avó de criação. Ela era minha vizinha, e sempre cuidou de mim. Nas tardes daqueles dias, consigo com muita intuição lembrar-me do cheiro do café que ela fazia, e que depois servia como um lago onde eu podia molhar o pão com manteiga ainda quente que ela acabara de comprar na padaria próxima a nossa casa. A saudade disto é sustentada com o hábito hoje presente de tomar café, e por sua vez molhar o pão com manteiga numa xícara grande.

Lembro-me do meu primeiro violão, com aparência rústica, marrom cor de terra, descascado nas curvas de seu corpo, com uma vibração nas cordas graves que eu pensava ser por desafinação. Ele me distraía em vários e vários sábados que era quando eu podia me encontrar com dois ou três amigos e tentar aprender algo. Ainda tenho em meus ouvidos a primeira musica que eu aprendi a tocar: “Sereno eu caio, eu caio... Sereno deixa cair”. Minha mãe me acompanhava às vezes, e eu me sentia motivado cada vez mais tocar este instrumento.

Alguns anos antes do meu avô materno falecer, ele teve que submeter – se a um tratamento nas pernas. Como sua morada não tinha a sua disposição suporte adequado, pelo menos duas vezes ao ano ele vinha à casa de minha família e ficava até 15 dias para utilizar dos recursos locais.

Nas suas consultas ao médico, por sua vez em hospital público, eu o acompanhava. A espera pela consulta era grande, pois tínhamos que esperar a chegada do médico, que na maioria das vezes era imprevisível.

Eu e meu avô esperávamos por horas pelo atendimento, e neste período conversávamos muito sobre vários e vários assuntos, entre eles: músicas caipiras, histórias de caminhoneiro e principalmente sobre a vida.

Além das consultas ao médico, havia as caminhadas de fim de tarde, necessárias devido ao tratamento, e que eu sempre fazia questão de acompanha – lo. Minha aproximação a ele nestes tempos era tamanha que sempre o coloquei como figura paterna.

Hoje, depois de alguns anos que ele se foi, sinto muito forte sua presença. Sua imagem; camisa social, com sandália de couro, cabisbaixo, cabelos brancos e olhar cansado vem até a mim de forma tão real que chego a me emocionar.

Eu diria que o maior fator da saudade é o tempo, ele é como um vento que não se consegue ter o controle da velocidade, pois embora saibamos sua quantidade, é impossível ver o tempo passar de forma tão cuidadosa e dedicada.

Descrevi até então algumas características, ou alguns dos motivos que hoje me vejo sentir em falta.

Antes de escrever o texto, procurei entender um pouco mais da palavra: Saudade. Vi que sua origem é do latim: "solitas, solitatis" que significa: Solidão. Coincidência ou não, vai de encontro com uma parte do texto escrito por Martha Medeiros, e com o lado mais sensível de minha saudade: a de quem se ama.

Eu me lembro como se fosse hoje, o dia que estava trabalhando concentrado e vi passar por mim um olhar ingênuo e bonito. Ela caminhava com um pouco de pressa, ao lados de amigas, com um ar de sensualidade ainda misterioso, protegida por cabelos castanhos e longos.

Achava extremamente estranho sentir algo de imediato da forma que senti, e por mais que eu tentei me controlar no princípio minha tentativa de aproximação a ela era inevitável.

Logo chegava seu aniversário, e esta é talvez uma das lembranças mais fortes que tenho, pois foi através dele que nos conhecemos... Eu a escrevi um texto, bastante sincero, e ela me retornou dizendo que tinha gostado. A partir dali começávamos uma amizade, bastante agradável, que inclusive chegamos ao ponto de nos considerarmos anjo um do outro... Éramos os anjinhos na terceira pessoa, e isto acendia ainda mais uma relação que nasceria posteriormente.

Depois de um longo tempo juntos, eu evoluía de forma que não podia perceber o quanto era imaturo em vários aspectos, ainda que seja mais conveniente acreditar no destino não posso deixar de sentir saudade do tempo em que eu não mudei.

Sentir a falta de algo que não aconteceu, é como desejar que tivesse acontecido, então posso dizer com bastante certeza que sinto falta de estarmos juntos, mas na situação em que eu tenha a evolução madura necessária e saiba dar valor na ferida que tanto me dói agora chamada lembrança.

A saudade é tamanha e intensa, ao ponto de me deixar confuso entre os desejos, e isto é uma mágica surpreendente embora não deixa de doer.

Espero que as pessoas não passem pela saudade do “eu próprio”, ou talvez até passe e saiba reconhece – lá, já que a saudade de si mesmo é um reflexo de que o que somos hoje não é o que fomos, e por algum motivo acabamos mudando o próprio jeito de ser.

O que mais me impressiona na saudade, é o tamanho da simplicidade intrínseca.

Sinto falta simplesmente das suas orelhas em meus dedos, de seu olhar nervoso por eu ter me atrasado, suas mãos em minhas costas, da forma como ria ironicamente de minhas piadas sem graça e de como ficava inconformada de me ver cantando no carro.

O aprendizado em um estudo que não domino, mas que para você era como um hobby e não apenas profissão, era fantástico. Seu esforço para buscar novos conhecimentos de sua área era tamanho, que você me repassava de forma muito didática e dinâmica, e aos poucos eu me conhecia melhor. Estes ensinamentos fazem de mim curioso hoje, tanto que uma das formas que utilizo para diminuir esta falta é lendo por contra própria tais assuntos.

Por mais que eu lute comigo mesmo, não posso deixar de culpar esta dor da saudade a mim.

E agora, por mais que eu tente preencher o espaço que eu mesmo criei, é imprescindível que eu congele nossos momentos. Pois embora eu tente não perguntar de como você esta aos nossos amigos, e ainda recebo a notícia de que esta bem com seu novo amor, e antes talvez que eu não soubesse o que tenho a dizer agora e posso afirmar é: Que o mais sinto saudade é de um tempo que não continuou.

Valdir Alcântara S Junior
Enviado por Valdir Alcântara S Junior em 20/11/2011
Código do texto: T3345797
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