Insônia 
                                                  
                
A noite dorme um sono  entrecortado,  
                alfinetado de grilos   
                                        Mario Quintana 


                                                                                             
Passava da meia-noite quando, pros lados de Amaralina, estourou o último rojão saudando o Ano-novo.
         Com saudade de 2006, busquei minha redinha cearense, para o primeiro sono de 2007.
Mas cadê o sono? Um comprimido, e nada. Foi como se tivesse engolido um caramelo. 
Insônia, mesmo; e braba.
          Desliguei meu rádio de pilhas, abandonei minha rede de varandas largas e bordadas, e me sentei diante do computador. 
          Escrevendo alguma coisa o sono poderia chegar, foi o que imaginei.
          Nada! De repente me vi um sujeito sem assunto, e literalmente perdido no meio da madrugada.
         U´a madrugada sem lua e sem estrelas; uma madrugada molhada e com ventos zangados, sibilantes.
         Na minha rua, quase deserta, dois árdegos vira-latas, numa arenga desenfreada, disputavam, palmo a palmo, a preferência de uma cadela ciosa e no cio, que fingia cochilar sob a marquise do prédio da esquina.
          Prossegui clicando, digitando, deletando. E, por que esconder, acessando os sites que a rapaziada esperta adora...  No sufoco, fazer o quê? Ler polícia? Ler política? Nem uma coisa nem outra.
          Valia mais curtir as garotas peladas trazidas dos quatro cantos da mundo, pela internet. Vendo-as, na plenitude de sua nudez, poderia pintar um tema para uma boa crônica.
          Escrever, digamos, sobre um roliço e acolhedor bumbum; ou sobre jovens seios, túrgidos e carentes - não importando se turbinados -, seria uma boa.
          Sem desistir do computador, resolvi ouvir o Nelson Gonçalves. Tudo, menos A volta do boêmio. Por que não Dolores Sierra? - "Dolores Sierra/ Vive em Barcelona na beira do cais,/ Não tem castanhola/ E faz companhia/ a quem lhe der mais."

      (Quando estive em Barcelona, na Barceloneta tomei um drinque me lembrando de Dolores Sierra. Teria ela freqüentado aquele cais catalão? Teria recebido, ali, sua primeira peseta?)

           Três da madruga, e nem um sutil bocejo.
Perversa insônia!...
           Segui visitando os sites ousados. Um clique casual, e uma manceba desnuda, dadeira, vinte anos, invadiu meu monitor.
           Quebrei o silêncio da noite velha, gritando: Viva a internet! E de olho no monitor, adormeci...
          Podia ter dormido até o meio-dia. 
          Mas um passarim atrevido não deixou. Ele pousou na minha janela, e, com gorjeios alegres e intermitentes, interrompeu o meu sono. 
           Ele saudava a manhã do primeiro dia de 2007, que desabrochava esplendorosa. Sobrava-lhe, pois, razão para cantar a bico solto... 

                

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 02/01/2007
Reeditado em 24/10/2019
Código do texto: T334422
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