O advogado e o médico
Essas histórias de passagens da minha vida geralmente fazem muita graça quando as conto a alunos, amigos e familiares. O segredo é o meu jeito engraçado e exagerado de narrar, aliado a conhecimentos teatrais adquiridos e treinados, em um curso extra, durante os anos em que fazia a faculdade de Letras.
Pois agora conto duas passagens ocorridas comigo em Brasília, cidade que várias vezes visitei. A primeira foi na década de 70, quando estive em um curso de Linguística realizado no CEUB (Centro Universitário de Brasília).
Todas as noites íamos, eu e os colegas, para um show repetido: o “Singing in the rain”. Moças bonitas que, com sombrinhas de cores variadas, faziam a coreografia no palco. Nós tomávamos drinks, dançávamos e, naturalmente, conseguíamos uns namoradinhos por lá. Então direi dos meus e deixarei os das outras para que elas mesmas contem suas peripécias.
O primeiro que namorei foi um advogado. Baixinho, simpático, branquinho, usava óculos de graus e se vestia bem. Camisa esporte convencional colocada por dentro das calças sociais e um sapato lustroso. Quando estivemos em um jantar, quase um pequeno acidente aconteceu, pois esse nobre moço parecia mais um ser saído de um filme de época. Todo solícito e formal, cheio de mesuras e delicadezas. Acostumada com o jeito largado dos jovens nordestinos, assim que pensei em movimentar a cadeira para sentar-me, o homem da lei já o fazia como se eu fosse uma rainha. E como os nossos rapazes não tinham por cá essa presteza, eu já sentia vontade de brigar com o meu acompanhante. Faltou pouco. Julguei que aquele gesto cavalheiresco, somente conhecido em filmes e na literatura, fosse uma brincadeira de mau gosto e a sua intenção teria sido a de que eu perdesse o equilíbrio e caísse passando vexame entre toda aquela gente. O tempo todo foi assim de solicitudes e suavidades até que, estranhando toda aquela mesura medieval, eu logo abandonei o brasiliense.
Outra noitada no hotel do enjoativo “Singing in the rain” e me chama para dançar um senhor que bem poderia ser meu pai. Era um cientista inglês que realizava pesquisas sobre o Mal de Chagas. Assim ele me falou. Então, eu não conseguia acertar o passo com aquele gigante loiro de olhos azuis. E eu que me sentia alta em Aracaju, de repente passei a me sentir uma nanica. Ele puxava para o norte e eu ia para o sul. Pisei no pé dele e ele pisou no meu. Eu não posso ver um problema que não queira resolver e precisava acertar o passo, pois dançar é comigo mesmo. Falei para o filho das terras do Reino Unido que eu não estava acertando dançar talvez por causa dos sapatos baixos. Pedi licença para ir trocar por um par de saltos. OK, great Idea! I’ll be waiting for you. OK, OK.
Voltei e recomeçamos a dançar sem muito sucesso. A pisada no pé foi pior, mas ele aguentou firme. E nesse nunca acerta, continuei pisando e sendo pisada. Assim mesmo ele conversava. Contou-me tantas coisas de conferências, de medicina, disto e daquilo outro que jamais seria do interesse de uma moça de pouco mais de vinte anos de idade. O pior viria. O cientista queria me levar para a Inglaterra. Logo falou de casamento, coisa que também não me encantava. No outro dia já iria com ele para a Embaixada onde me apresentaria aos seus pares. Ele pensou que eu iria. Deixei que pensasse. Até isto poderia acontecer se não tivesse me contado um fato ocorrido com ele e envolvendo um colega em um rififi formidável. O inglês era mais arrojado que um jagunço do grupo de Lampião. Entrou em desentendimento com outro médico e, a cada coisa de que não gostava, metia o murro no outro. Tantas vezes bateu que o contendor caiu teso na piscina do hotel. Dizia vitorioso o inglês e gesticulava como se ainda estivesse na briga: dar um murrrrrrrrrrrrrrrrrro nele, ele cairrrrrrrrrrrrr. Dar outrooo murrrrrooooooooo, ele cair de novo. Dar outro murrrrrrrrrrrrrrrrrrooooooooooooo e ele não se levantar maissssssssssssssss.
Inventei uma dor nos pés e não dancei mais com esse europeu valentão.