Fim de ano
Fim de ano é sempre igual, logo depois das festividades natalinas, inicia-se a preparação para o Ano Novo. Tudo começa com a ceia da virada, mesa farta, pernil, carne, salada, peru e até mesmo o “chester” — que me conste ninguém jamais o viu vivo — , que não pode faltar.
O que mais se destaca na espera para o novo ano, além, é claro, do reencontro de familiares que só nessa época se encontram e não brigam por ninharias, são as infinidades de promessas que jamais serão cumpridas. Eu mesmo, todos os anos, repito a mesma ladainha: fumar menos, parar de beber tanto, estudar mais, ler mais, me organizar mais e planejar melhor minha vida; sem que surta efeito ou aproximação para que se realizem.
Nesse momento de rever os conceitos, paro e penso sobre algumas ações. Aquela inevitável volta no tempo para enxergar os erros do passado e, no futuro, errar menos. Como acontece com muitos, e comigo não é diferente, acabamos nos perdendo nas imensas teias de nossas vidas, quando vasculhamos os baús da memória. Às vezes a saudade de tempos idos nos impede de aproveitar o tempo presente e acabamos por não gozar das horas atuais, ora pensando no que se passou ora pensando no que poderá acontecer.
Evidentemente algumas lembranças nos causam certa comoção. Por exemplo, neste último dia do ano, me aconteceu algo simples, mas que, de certa forma, trouxe uma euforia pueril. Todos os anos, tenho a mania de remexer em caixas de guardados, coisas de que nem me lembro que possuo ou para que servem ou ainda por que as tenho. Neste ano, redescobri minha coleção de discos de vinil. Como um tolo nostálgico, esforcei-me para pegá-los sobre última prateleira da imensa estante do porão — não sei qual foi o infeliz que os pôs lá — e tive a certeza do abandono das coisas à medida que se passam os anos. Em tempos de CDs e DVDs, um LP é raro, um tesouro abandonado pelo descaso tecnológico. Quase enfartei — sem exagero no termo — ao sentir nos dedos o papel das capas úmidos e mofados.
A tristeza que se instalara em mim naquele momento originou-se na matéria circular, mas refletiu o descaso com o próprio interior. Apenas passando os dedos nas capas emboloradas, tive a sensação de voltar no tempo. Parecia-me estar vivendo novamente os tempos da adolescência, sentado no chão da sala e ouvindo a música e os estalos da agulha. As lembranças de um tempo diferente do atual, da casa dos pais, das angústias juvenis que tanto nos assustam, mas que na verdade são fases passageiras. Chorei.
Lamentei, não pelos discos, mas sim pelo sentimento que com o passar do tempo vamos esquecendo, empoeirados, mofados e abandonados de tal forma como se nunca existissem. Pensamentos que surgiram e no tempo de sua formulação eram ótimas idéias que poderiam revolucionar o mundo, mas que com o peso das responsabilidades da nossa maturidade ficam para trás.
Voltei com os discos para sala depois de limpos. Enquanto os guardava, tive a certeza de que os sonhos do passado podem ainda construir nosso futuro, desde que o entendamos como uma forma de nos fazer melhor no presente, resgatando os sentimentos empoeirados e nos tornando mais atenciosos conosco e com aqueles que estão a nossa volta.
Com isso, me preparo para um novo ano mais consciente das minhas debilidades emocionais do que nos anos em que fui incapaz de perceber tantas futilidades e desejos insignificantes. Às vezes, é preciso que o menino desperte o homem e que o homem volte a ser o menino para que a vida, enfim, siga seu fluxo contínuo.